Engraçado como a vida nos prega peças e tudo nela é relativo.

Fico pensando hoje em como foi a vida da minha mãe,que com a minha idade permitiu que eu nascesse embora sob as condições mais desfavoráveis.O marido já havia ido embora e voltado algumas vezes,ela não tinha segurança com ele,imagino que não foi fácil,já havia mais três

filhos;o mais velho tendo apenas dez anos,uma de nove e outro com no máximo,quatro a cinco anos.E quando eu tinha talvez uns dois anos,não sei ao certo,talvez três,ele o dito marido que vem a ser meu pai biológico,a abandonou de vez,nos deixou para trás aparentemente sem nenhuma preocupação com os filhos que ajudou a por no mundo.

E devido aos sofrimentos emocionais, eu muitas vezes vi minha mãe chorar pelos cantos,mas quando perguntava o que ela tinha, dizia-me não ser nada... E eu criança, sabia que ela estava sofrendo, mas não entendia a dimensão da sua dor.Hoje eu a entendo tanto!Percebo a prova de amor

que ela me deu pelo sacrifício de além de ter me permitido nascer,cuidado de mim da melhor forma que pode.Eu só queria que ela estivesse aqui para eu dizer mãe me perdoa pelas tantas vezes que eu não soube expressar gratidão,fui tantas vezes ingrata!

Lembro da minha mãe aos cinquenta anos dizendo estar no fim da vida,

tudo pelo sofrimento com o qual a vida a marcou.Às vezes meu coração doi por eu não conseguir dar o valor que ela tinha,porque coloquei na cabeça que não era amada! Hoje sei que ela me dava amor

ao me alimentar,me dava amor quando acordava de madrugada para percorrer uma longa caminhada rumo à cidade a pé para me levar ao médico e lembro-me isso aconteceu muitas vezes!Como fui ingrata!

Na adolescência nosso conflito de personalidade aumentou a ponto de eu sair de casa e nunca mais voltar,fui à casa dela quatro anos depois

e nem fiquei lá nas quatro noites,hoje eu faria diferente.18 anos depois voltei à casa onde morei até os 15 anos,a casinha da minha infância,

mas já não podia dizer mais nada a ela,minha mãe já havia dormido o sono da morte.Olhei seu quarto,sua cama,o quarto que dividi com ela a vida toda naqueles primeiros 15 anos da minha existência.Estava vazio

a casa inteira estava fria como a morte e, nada mais podia ser dito ou feito.Era tarde! Eu não fui vê-la quando soube da sua doença,não acreditei que seria o fim da sua vida ali.Achei que ainda ia ter tempo.

Não tive! Ela morreu, imagino, me vendo como a ingrata que sequer foi

visitá-la nos seus dias finais.Não foi por ingratidão,aquela adolescente

cheia de direitos achando que não era devidamente amada,já era uma mulher calejada pelas dores da vida,já entendia muita coisa,mas o tempo impiedoso se esgotou e a vida da minha mãe foi ceifada,ela não esperou por mim! Hoje ainda choro por tanta coisa não dita entre nós.

Tínhamos que ter tido uma "reconciliação" para corrigir maus entendido e nos perdoarmos definitivamente dos erros do passado.No fundo eu sei que ela me perdoou,eu também já não tinha mais mágoa nenhuma,mas

seria bom ter dito isso olho no olho.Esses dias sonhei com ela,eu lhe pedia que viesse à minha casa para que eu pudesse cuidar dela e ela dizia que não.Nos despedíamos com a certeza que não nos veríamos mais a não ser na ressurreição.Acordei e percebi que nem isso tivemos,

uma despedida.Acho que não voltarei tão cedo àquela casinha vazia

que já não sou convidada a entrar,porque ela minha mãe certamente

me receberia se estivesse viva,mas quem mora lá,não pensa igual ela,

embora seja meu sangue também.Vínculos consaguíneos não garantem

amor,descobri isso numa hora de dor,onde o que era disputado eram coisas materiais e sentimentos não eram levados em conta.Os meus sequer respeitados ou acreditados.Perdi minha mãe e com a perda dela perdi dois irmãos que eu julgava ter.Tive que os tirar da minha vida para não sofrer mais.A família ficou dividida, dois de um lado, dois de outro,sem perspectiva de reconciliação.Não tenho raiva nenhuma deles,sei que são meus irmãos e não hesitaria estender-lhes a mão se precisassem de mim,mas no momento melhor é cada um para o seu lado.Infelizmente.A ironia da vida e o tudo relativo a que me refiro é demorar tanto tempo para compreender o óbvio.Porque hoje eu sou um pouco da mulher que foi minha mãe,afinal sou parte dela,e sinto de certa forma as dores que sentiu.Imagino-me hoje grávida,algo inconcebível ao meu pensamento,mesmo que a minha situação comparando à dela seja muito mais favorável!Tenho a idade dela ao me gerar e imagino-me no lugar dela,é aí que entendo perfeitamente a sua forma de me dar amor,e que ela fez o seu melhor,pena que eu era incapaz de entender que amor não são só abraços,carinho propriamente dito,porque cada um ama da maneira que recebeu amor ou o aprendeu na vida.Que pena,mas tenho esperança de um dia nos reencontrarmos na ressurreição e que Deus na sua bondade, nos permita ser mãe e filhas muito melhores do que fomos.Por enquanto procuro guardar só as melhores lembranças daquela mulher que me ensinou a crer,que me fez doces,que cantou para mim...Saudades da minha mãe...Li ontem um texto de um amigo que dizia que "as lágrimas nunca secam" sim, eu concordo.Saudade e dor fazem jorrar lágrimas do coração.Se você tiver sua mãe diga que ama agora,não deixe para depois porque poderá não ter tempo e sentir a dor da certeza de que agora é tarde.. Pense nisso...

Elenite Araujo
Enviado por Elenite Araujo em 06/03/2012
Reeditado em 06/03/2012
Código do texto: T3537768
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