O tempo é cruel

O que acontece quando você esquece datas e nomes importantes? Quando por algum motivo se esquece de tomar o remédio, a hora da viagem, o dentista, o exame de aptidão. Será que tais coisas já não são tão importantes ou nossa memória peca diante dos fatos e já é hora de se preocupar com o Alzheimer? Talvez, mas o que existe entre o puxar do gatilho e o milimétrico segundo de nossas vidas é a decisão. Em outras palavras: o tempo.

O tempo é cruel, para ele não existe perdão, algo é ou não é. Não há meio termo. O tempo é imparcial, imperdoável, não há como voltar atrás, desfazer, mentir ou fingir de conta. Tudo é. Não há verbo no passado mesmo que a linguagem diga isso, pois o tempo é um eterno devir. Melhor, o passado nem mesmo existe, é tão imperdoável como colocar-lhe a culpa por algo do hoje. Restam-nos lembranças vagas do tempo, do que foi hoje, por isso sempre somos culpados pelo hoje e não pelo ontem. Também do futuro nada sabemos, e não podemos falar nada do que não sabemos e dar crédito à ignorância. Hoje é o instante incompreensível do tempo que nos incomoda.

Há alguém que diz: espero que não cometa mais o mesmo erro. Quanta estupidez, por acaso esse erro seria igual ao outro? Por acaso esse já não seria outro erro? A semelhança de algo com algo já nos diz que não são a mesma coisa. Os erros apenas são parecidos, jamais os mesmos. Por isso é muito comum vermos pessoas cometerem erros demasiadamente parecidos. É terrivelmente absurdo querer achar no hábito ou na repetição culpa ou acerto, o que aconteceu cem vezes não é tão certo que acontecerá cento e uma, e nosso argumento se desfaz como algodão doce em boca de criança.

Cristo, maior homem e nome da nossa história, sendo homem e ao mesmo tempo Deus falara a alguém: “vá e não peques mais”. Ele não disse, vá e não cometa o mesmo erro, pois bem sabia que os erros são diferentes e é preciso identificar o diferente acerca das coisas. Segundo Heráclito, ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez, o rio já não é o mesmo, é outro rio, porque a correnteza levou as águas e levando as águas o fizeram outro. Do mesmo modo, nós também não somos os mesmos, o tempo já nos modificou. Assim é o tempo, não para, não envelhece, sempre se faz novo. É preciso sabedoria para lidar com os erros, pois mesmo não sendo iguais podemos por analogias compreender seus ensinamentos.

É preciso estar atendo ao tédio da vida, porque nessa vida quando não mudamos, morremos de solidão ou de tédio. Porque o tempo precisa de mudanças, esse é seu fruto. É preciso voltar-se contra si próprio em sua imponência e contra os idiotas de plantão que dizem saber tudo. Porque somente esse deus astuto que encara nossas fraquezas com tamanha sutileza é dono desse conhecimento. Somente esse deus sem pudor que engole nossas vísceras pode nos envergonhar diante do que compreendemos, pois diante dele tudo é nada e nada é tudo, diante dele erros foram postos à mesa e outros irão ser. Diante dele não temos inteligência alguma, pois qual é a medida de nosso tempo? Ficarei eu depois dele ou ele depois de mim? Assim diz o velho ditado: “somente o tempo dirá”.

TAS
Enviado por TAS em 08/03/2012
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