Uma crônica para Chico

Durante a minha infância, morei em uma cidade bem pequena e pacata... mais pequena que pacata... o que não vem ao caso agora.

Meus pais, como quase todos os pais daquela época, preocupavam-se com a programação que eu e meu irmão assistíamos na TV, bem como o horário de dormir, pois estudávamos no período da manhã.

Eu não gostava nada nada daquilo. A televisão me fascinava. Porém, não ousava questionar qualquer ordem dos meus pais, especialmente se vinda, com veemência, da minha mãe. Questionava apenas em pensamento, porque, apesar de quase ter certeza de que ela, ainda assim, me ouviria, não poderia provar.

Eu e meu irmão tínhamos a mania de arrastar nossos colchões para o quarto dos meus pais e dormir por ali. Numa noite, quando já estávamos deitados, volume da TV baixo, luzes apagadas, pude ouvir as risadas de meu pai.

Puxa, como fiquei curiosa... ! Estiquei meus ouvidos o máximo que pude, para ouvir o que ele ouvia, tentando entender o que estava passando na TV e porque era tão engraçado.

Era uma tentação a vontade de saber o que meu pai assistia. Consegui entender algumas falas. Compreender, nadica.

Passei então a me deitar sempre próxima à porta e a ficar escutando, quando sabia que era o dia do meu pai rir muito. Foi aí que fui escutando as piadas e fazendo as ligações com o que eu ouvia meu pai e meus professores falarem, com o que eu assistia nos jornais. Nesse momento, também passei a rir, compreendendo alguma coisa.

Nossa! Achei muito engraçado, mas de uma forma muito inteligente. Se naquela época eu soubesse o que era sutil, diria que sutil também. E elegante.

Era engraçado, inteligente, sutil e elegante!

Minha mãe nem sempre acompanhava meu pai, nesses momentos hilários. E foi numa dessas noites, em que ela resolveu dormir mais cedo, que eu fui me arrastando ousadamente pelo chão e me coloquei ao lado do sofá, onde estava meu pai. Fiquei ali, vidrada, assistindo ao Chico City.

Nesse momento conheci Chico Anysio. Ele estava ali, diante de mim, fazendo-me rir e refletir. As piadas dele, para mim, eram como quebra-cabeça ou, melhor ainda, um enigma, em que eu teria de recorrer aos meus poucos conhecimentos e buscar outros, para compreendê-las completamente.

Quando não tinha jeito, perguntava ao meu pai:

- Por que ele disse isso, pai? Por que isso foi tão engraçado?

E meu pai, com toda a paciência que Deus lhe deu, respondia e explicava o sentido da piada.

Fui me tornando, a cada semana, mais fã daquele homem que aparecia na tela da TV e que nos fazia, meu pai e eu, rir tanto. Além disso, foi por causa dele que eu pude ficar, pelo menos uma vez por semana, mais um pouco na sala, à noite, assistindo ao programa.

Minha mãe não gostou da ideia, mas respeitou o pedido do meu pai:

- Ela assistirá somente ao Chico City e irá direto para cama. Quanto aos outros dias da semana, não haverá desculpa para dormir tarde.

E assim, passei minha infância, adolescência e até o presente momento acompanhando, pela TV, a carreira desse homem genial, que tanto colaborou com a cultura, com a alegria e com a reflexão crítica e bem humorada dos nossos costumes, da nossa política, das nossas atitudes como seres humanos e brasileiros.

Chico Anysio, a quem nunca conheci pessoalmente, mas que, ainda assim, pude conhecer, mesmo que pela TV, tinha a alma talentosa, iluminada e generosa. A ele, minha sincera e humilde homenagem.

Beijos, Chico.