Amor platônico

Amor não correspondido, o dito amor platônico. Quem nunca? Uma modalidade de paixão e encanto tão popular que se tornou quase sinônimo de poesia, de tanto que já foi coroado em versos sofridos, canções melosas, rimas de um querer que parece ganhar mais força na mesma proporção em que a realização soa menos e menos possível.

Faz sucesso porque é mais comum encontrar por aí uma gente “não correspondida” do que uma que anda feliz de mãos dadas. É parte da sutil crueldade do kosmos em não criar um par perfeito para cada indivíduo ou em não deixar as metades das laranjas mais óbvias e mais próximas nesse planetão.

Se vivêssemos em um mundo ideal, uma pessoa automaticamente encontraria o seu par romântico na hora em que decidisse “já deu de galinhar por aí”. A epifania de que chegou o momento de sossegar com uma “alma gêmea” e curtir as maravilhas e desafios da vida a dois seria seguida por um encontro de olhares magnético, e ali nasceria mais uma história de amor.

Nessa realidade paralela, a não correspondência não teria vez. Não haveria desabafos escritos em diários, do tipo que eu mesma cultivei por anos e anos, prometendo que “meu amor vale por nós dois, e vou esperá-lo por todo sempre, até que um dia ele me queira também”. Essas, e outras muitas declarações que exaltam uma paixão incondicional e unilateral, não existiriam simplesmente porque, por mais poético e profundo que soem, elas são apenas, no fundo, tristes. Elas são solidão.

O dito “amor platônico” parece ter sido a solução masoquista que o homem encontrou de sentir uma intensidade dentro de si até que ele conheça a reciprocidade. É uma forma de espiar o que é amor – ou o que ele acha que isso deveria ser –, e poder dizer por aí e para si mesmo que ele faz parte do clube de quem sabe o que é o mais lindo dos sentimentos, mas não consegue descrever sua magnitude com precisão.

Desde o passado, quando predominavam casamentos marcados, por interesse, até hoje, a era das ficadas e jogos manipuladores de sedução, o terreno é realmente mais fértil para o amor platônico. Tão propício que ele aparenta ser natural, algo que acontece, que quase deve ser cultivado, porque é bonito e não dá para ser facilmente combatido. Sem contar os que consideram o amor não correspondido como ainda mais intenso e corajoso do que o recíproco.

Mas a minha teoria é de que amor platônico só satisfaz (ou engana) quem ainda não viveu o outro tipo. Quem conhece a versão dormir junto, ser bobo junto, agarrar e chorar, e brigar, e amadurecer, e explorar, enfim, ser como um todo e junto, nunca mais vai aceitar o amor separado como algo nobre e encantador, poético. Os sortudos que respiraram reciprocidade alguma vez, se não gostarem de sofrer, jamais vão cultivar o amor que só é sentido de um lado.

Idealizar o dia em que seu sonho de consumo finalmente vai te ver com outros olhos. Montar uma realidade alternativa onde você e ele(a) são “nós”. Olhar de longe para seu amado, admirando, babando, coração palpitando. Tudo isso pode soar romântico e divertido até certo ponto. Desde que ninguém esqueça que romance bom é quando os dois estão se querendo. É coisa que existe só a dois.