Geração des-plugada

Minha sobrinha brinca com sua neném de 8 meses. O brinquedo entre as duas, um celular. A pequenina ao senti-lo próximo ao seu ouvidinho, vai recostando a cabeça até o limite que seu pescocinho alcança nesse movimento e, riem, a mãe, a criança e todos os demais na sala, feito telespectadores, pateticamente, assistem à cena e riem... Aliás, cena comum da rotina familiar pósmoderna, desprovida de qualquer intencionalidade. Simplesmente, uma mãe interagindo com sua filha, introduzindo, inocentemente, a tecnologia, no mais importante relacionamento humano, desde o princípio da humanidade: mãe-filha.

Durante um dia de encontro de trabalho, o holl de entrada, o saguão enfim, os vários espaços de onde emergem os participantes, é incrível o número de pessoas atendendo celulares. No início dos trabalhos, sobre a mesa de reuniões, diante de cada um dos presentes, lá está o indispensável, o inseparável celular. Inúmeras vezes interrompe-se o planejamento, ora desperta um, ora desperta outro aparelho e, certamente, à sua 'majestade-comunicação', rendem-se todos os súditos.

Para a geração tecnologizada, os jovens de 2012, celular não é mero capricho, é necessidade vital. Muito além do simples desejo de ostentar poder ou status, tornou-se extensão corporal. Muito mais do que uma ferramenta de comunicação, o celular é elo de ligação e, para alguns jovens, a possibilidade de vencer as difíceis situações de relacionar-se com os outros, ou de sentir-se aceito em grupos. Um celular pode transformar sua vida, tudo pode ser diferente, pode presentificar-se, sem estar. Pode ir, sem sair. Pode dizer, sem falar. Pode... ah, pode tantas coisas... Afinal, é possível plugar-se.

E as demais gerações? Debochada e jocosamente, as vezes questiono meus familiares como é possível a humanidade ter sobrevivido a tantos séculos sem o imprescidível celular... Porém, durante o almoço num restaurante outro dia, apenas nas cinco mesas mais próximas, observei quatro pessoas falando ao celular enquanto almoçavam e, estas não tinham a idade dos jovens citados anteriormente. Assim, também presenciei numa pequena viagem de ônibus, entre os primeiros lugares, num curto espaço de tempo, sem exagero, de dez pessoas, vi oito falarem ao celular...

Há um paradoxo aí, se de um lado, o ser humano quer fugir, por vezes, até de si mesmo, de outro, não consegue permanecer desconectado do mundo a sua volta. Penso que, nesse processo, a necessidade de plugar-se ora aqui, ora ali, constantemente, seja talvez o recurso viável para des-plugar-se do seu real, do refletir sobre sua existência, seu mundo interior. Fugas inconscientes... Pensar dói. Olhar para si, perceber-se desplugado de seus sonhos, de seus desejos, dói... Alienar-se seja talvez, a solução mais imediata... Embora saiba-se que estar, permanentemente, plugado somente para fora de si, seja correr o risco de perder-se por completo, em meio a tantos apelos da sociedade pósmoderna.

O que é isso? O que estou tentando dizer com isso? Que sinais seriam esses?

Não sou troglodita, tampouco contra a evolução tecnológica, até porque, esse é um caminho sem volta e, penso que em vários segmentos da sociedade, a tecnologia tornou-se uma ferramenta indispensável. Exemplifico, como ferramenta de inclusão no caso da tecnologia assistiva aos cegos, a nanotecnologia utilizada para avanços científicos na área da saúde, assim como a biotecnologia empregada para salvar vidas. Não se trata como diria Freire, de diabolizar a tecnologia mas, questionar sobre seu endeusamento, em detrimento de sua utilização de forma racional e humana. Chama-me a atenção o asujeitamento, a submissão do ser humano ao uso indiscriminado da tecnologia e a sua incorporação nos hábitos humanos, sem a mínima reflexão. Daí, ouso perguntar: Em alguns aspectos, não estaria a tecnologia, impactando as relações sociais, ao ponto de desqualificar a vida humana?

Por que há tanto estresse na sociedade pósmoderna? Por que há tanta criança hiperativa? Tanto pai e mãe deprimidos, tanto jovem buscando compensação em drogas, em altas velocidades e morrendo no trânsito... O alto consumo de ansiolíticos certamente, outra mera casualidade... De onde advém essa urgente necessidade do ser humano, de não se conter e aguardar o retorno para casa para saber, por exemplo, se o filho foi bem na prova, se o esposo fechou aquela negociação com seu cliente, enfim há um imediatismo desenfreado para tudo, inclusive para fazer veicular uma fofoca mais depressa... Talvez, sejam apenas coisas desconexas... ideias descabidas a passar por uma cabeça des-plugada ao observar a realidade.

Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 18/04/2012
Reeditado em 29/04/2012
Código do texto: T3618866
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