Doar ou não doar, eis a questão!

Quando as pessoas ouvem falar na mídia e de boca-a-boca a respeito de doação de sangue, elas logo apelam para a emoção, assim como os ótimos anúncios do Hemorio, criados pela agência de publicidade Heads (que tem orgulho de ser brasileira, mas tem um nome em inglês, vai entender) que têm a intenção de "calar fundo na alma". E cala mesmo. Pelo menos se tratando de impacto, eles dão de dez mesmo.

Entretanto, esse pobre e não tão humilde pensador se pôs a fazer o que mais lhe dá retorno aprazível: pensar. As grandes agências com sua propaganda (área que já me fascinou um dia) tem um único objetivo por trás de todo o glamour e diversão. Vender uma ideia. E, nem sempre, comprar algo se faz necessário, principalmente quando você não está procurando por aquela compra em questão. Quando você FAZ uma compra de que precisa, é uma venda limpa. Mas, quando você é convencido a comprar, não pode ser algo puro. Vamos lá, gente, ser convencido a comprar? Isso cheira manipulação. Trabalhei com marketing, sei como é. Fazer o cliente "pensar" que precisa do seu produto acima de tudo. E por quê? Lucro.

Quem te persuade a comprar algo, qualquer coisa, quer você precise ou não, quer vá tirar proveito daquela comprar hoje ou daqui há 40 anos ou quer nunca tire proveito daquilo, a principal questão a ser levantada é que quem te vende lucra. Lucra quem fez a venda, a propaganda, lucra quem investiu na ideia, apoiou, criou, fabricou, produziu e distribuiu. Lucro!

Quando as campanhas do Hemorio atingem seu objetivo, que é comovê-lo para doar sangue, alguém lucra com isso. A pergunta que surge é quem?

Não pare de ler só por pensar, ou supor que a intensão do escriba aqui é simplesmente contrariar, criticar e dissipar uma ideia mesquinha e baixa de alguém que não preza os principais aparentes beneficiários das "vendas" da Heads para o Hemorio, os que precisam de sangue. Não. A intenção dessa crônica é ...bom, não sei qual é a verdadeira intenção dessas palavras, mas sei que ando em um dilema.

Sou técnico em Radiologia, concursado do Estado do Rio e fui alocado para o Hemorio. Desde que me vi diante dessa realização, me prestei a todo tipo de pesquisa (a favor da doação, pois as contra já conhecia muito bem) para esclarecer minhas dúvidas a cerca deste quase não polêmico tema. Sem ironia, afinal, poucas vezes vi pessoas discordando que dor sangue era um atitude totalmente legal. Vários profissionais da saúde o fazem. Intelectuais, universitários e até artistas usam sua imagem para divulgar a ideia.

Fico de fato comovido com toda onda de manifestações e atitudes positivas a respeito, pois estamos falando de salvar vidas. E, salvar vidas, meu caro, é o que nós, pessoas da saúde gostamos de fazer.

Por outro lado, estamos falando de seres humanos. Onde eles estão, há ganância e corrupção. Ao mesmo tempo que somos solidários e generosos, conseguimos ser arbitrários e egoístas. Quer ver uma pessoa se corromper? Dinheiro e poder. Políticos têm dinheiro e poder. Médicos têm dinheiro e poder. E médicos que atuam na política, o que seriam? Calma, não estou acusando ninguém! Porque acusaria se também sou humano? Caio diariamente nas mesmas ciladas que os maus caíram um dia. Mas, assim como muitos, eu volto pro lado do bem. (não existe bem o mau, só podemos ser maus, muito maus, ou bons muito bons e podemos ser as duas coisas ao mesmo tempo também, ir e vir, livres, assim)

Vou direto ao ponto, já que preguiçosos devem estar se coçando para entender o ponto. Alguém mais lucra com as doações de sangue, além das vítimas de acidentes, onde há perda significativa de sangue, doentes (com doenças de sangue, desculpe o termo, meu estoque de palavras fluentes está se esgotando) ou vampiros? (essa última foi brincadeira pra distrair um pouco, vampiros não existem fora da Warner)

Quanto deve custar (estou perguntando mesmo, não sei) um bisturi de eletrocaltério? Aquele que corta e queima, cicatrizando e diminuindo o sangramento durante cirurgias que normalmente dependeriam de bolsas e mais bolsas de sangue? Quanto custa um vidro de expansores de plasma, como eritropoetina? Quanto será que custa um aparelho recuperador intraoperatório de sangue. Desses que não perde o sangue perdido pelo cirurgião?

E se, (o termo que nos falta, "e se") estiverem (notem que não acuso ninguém) levando vantagem? Ao invés de investir em novas pesquisas para descobrirem novos tratamentos alternativos, como os acima citados, eles (de novo generalizei, não acusei ninguém, ainda) estiverem apenas desfrutando um cultura muito bem disseminada, ultrapassada (afinal os egípcios já faziam transfusões de sangue) aparentemente confiável, de fácil acesso, fácil divulgação e manipulação e, acima de tudo, barata. A população só precisa doar. E a própria população irá receber. O apelo é de uma pureza suspeitável. Sempre doe pra quem precisa. Mas, meu caro, doamos para nós mesmos. Eu também posso ser afligido por uma das doenças que reduzam o meu fluxo sanguíneo e também posso bater com meu carro. Mas, o que me revolta e que ninguém fala é que você tem o direito de escolher seu tratamento. Tem o direito de saber o que será usado e de escolher. Tem o direito de recusar, sabia disso? Não. Isso a Heads nunca falou. Nem vai falar. Falar pra quê? Destruir uma parceria de sucesso? Eles vão continuar a mexer com nossas mentes até que levantemos nossos traseiros de nossos sofás e levemos até eles meio quilo do néctar dos deuses que correm em nossas veias.

Chega de demagogia. Esse é o meu dilema. Mesmo que o governo possa investir em algo melhor do que o tão antiquado sangue e não o faça, pois continuamos a doar, não seria mesquinho da nossa parte deixar de doar e deixar morrerem pessoas que não têm culpa da arrogância e ignorância dos poderosos? Poderíamos saber dos problemas que enfrentamos e ainda assim decidir fazer o bem, sem olhar para quem além das vítimas está lucrando. Seria nobre. O que mais temos sido, além de nobres, desde a grande guerra? Não fomos nós que iniciamos, acho que nem sabemos quem iniciou, mas muitos se sacrificaram nobremente para salvar uns poucos compatriotas.

Se todos deixassem de ser policiais, só por causa da corrupção dos generais. Se todos deixassem de ser bombeiros por causa dos baixos salários. Se todos deixassem de doar por causa dos estelionatários. Não haveria compaixão.

Talvez se todos deixassem de ser trouxas, não precisaríamos de compaixão, pois teríamos justiça. Ah, acho que agora sei o objetivo desse texto. Mas, vou guardar pra mim. Pronto, falei.

Prima
Enviado por Prima em 20/04/2012
Código do texto: T3622948
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