As Ferraris do Recanto

Lendo o Recantista André Anlub, que mencionou um bloquinho de poesias, me peguei a algumas reflexões. Por que também não tenho um “bloquinho” contendo meus textos? Os que restaram estão na memória do note antes que o próximo vírus detone.

Outrora sonhei editar um livro de poemas, agora, não estou nem aí. Também recebo seguidamente convites para concursos de poesia sobre vários temas e nada. Por que escrevo então? Não sei.

Tem vezes que disponho muito tempo, poderia visitar centenas de escrivaninhas e acrescer bastante minhas leituras, e nada. Limito-me aos amigos que tenho, claro que se surgir alguém novo, retribuo e se surgir nova amizade será uma bênção. Só não forço nada.

Com alguns, tentei estabelecer laços, mas, depois de umas três ou quatro visitas sem retorno, entendi que eles preferem, não, e me afasto. Alguns, que eram “dos meus” antes de meu período de afastamento, depois de minha volta estranhamente recusam aparecer, não obstante os ter procurado... cada um, com suas razões.

Não estou reclamando de nada, apenas expondo como vejo. Na verdade, recebo cinco comentários para cada dez visitas, de modo que muitos me honram com sua leitura sem propiciar que eu retribua suas gentilezas.

Resta que não sei ainda por que escrevo. Se não conta muito acrescer leitores, sequer essa ou aquela medalha, ou, mesmo, editar um livro... Tem uma planta espinhosa chamada arnica, cuja semente é como uma pluma, e o vento leva mui distante.

Acho que sou meio assim; radicado e espinhoso, quando pelejo pelo que creio, mas, tentando compensar isso com alguma leveza, que o vento decide pra onde levar.

Na minha infância pobre, não tinha acesso a nada, televisão, nem pensar; então, fazia da leitura meu passatempo. Quando minha mãe chamava para almoçar e eu estava perto do fim de um capítulo, ou de uma história, eu nunca ia sem terminar a leitura antes; não raro, a comida estava fria quando eu ia comer.

Certa vez, meu falecido pai observou: “Esse infeliz como letras”. Naquele contexto até soa engraçado, mas, me pergunto como seria se a geração atual “comesse” também...

Será que a leitura engendra o hábito de escrever, ou apenas propicia os meios? Outro dia usei uma frase num poema, que alguns riram; falando sobre os poetas eu disse que, “escrevem como quem mija, e têm a bexiga solta”. Será por isso? Ainda mais, tomando um chimarrão matinal, a “inspiração” cresce muito.

Talvez, uma boa razão seja a possibilidade de interagir com pessoas inteligentes, que nos alentam com seus comentários e nos enriquecem com seus textos.

É muito pobre o convívio com pessoas culturalmente limitadas; depois de reclamar do preço dos alimentos e falar mal de duas ou três pessoas, os assuntos esgotam. Alguém disse, que “a vida ao lado de quem não pensa, é pior que a morte”. Devo estar chegando perto... talvez, uma questão de sobrevivência...

No ano passado, por ocasião do falecimento de um pastor amigo, no município de Aceguá, eu ia dirigindo a Kombi da igreja com nove pessoas que iam de Bagé para o velório. Uma irmãzinha pediu, “Não corre muito meu filho”. Ora, aquela jabureca com nove dentro não chega a oitenta nem que pé passe da lata! Bem humorado respondi: “Não tem perigo, eu não conseguiria.”

De igual modo, os cérebros que não leem, não tem “motor”para muito, mesmo querendo andar, não podem.

Talvez, sejam as Ferraris que desfilam no Recanto que me façam vir ao “autódromo”...