Caso da goiabeira

Sempre fui fascinada pelos encantos da natureza. Quanta suavidade e quantos suspiros de Deus espalhados a iluminar e harmonizar o nosso tempo! A melodia da natureza não se esgota, jamais se lamenta. Uma musicalidade legítima, incapaz de ser produzida por qualquer humano. Mesmo com trovoadas e ameaça de grossas tempestades, a natureza está dizendo que ela também precisa de tudo isso - tudo junto - para se fortalecer e ser mais colorida, alegre e infinita.

Uma casa com um pequeno pomar. Um sonho. E na casa da vila Sônia, herança do trabalho extenuante do meu sogro escultor e da minha sogra costureira, existe um pequeno pomar. A mangueira gigantesca exala um perfume adocicado e acolhedor e que as maritacas adoram. Elas, nas usas cores vivas, se penduram nos galhos e comem os frutos penduradas de cabeça prá baixo, meio que fazendo micagem prá nós: “estou comendo a manga e vocês não”. Uma algazarra melodiosa e intensa a acordar quem gosta de dormir até mais tarde.

As pitangueiras crescem em vasos imensos. O limoeiro está firme e exuberante, deixando-se ramificar também num pé de ponkã.

Procuro ali algum espaço para a jabuticabeira, cuja muda ganhei de presente de uma prima sempre disposta a partilhar alguma coisa, principalmente tempo e solidariedade.

Não sei o que ocorreu com a goiabeira. Chegamos a São Paulo e o meu marido percebeu que ela estava deprimida, caidinha num canto, cheia de pequenos frutos, mas triste, triste.

Era necessário colocá-la em pé, dizer prá ela que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, que deveria ficar bem retinha ou quase isso, dependendo da sua natureza e vontade. Mas é claro que uma goiabeira tem uma grande alma. Abraça pássaros que se distraem nos seus galhos e deixa que façam ninhos. Exala oxigênio e dá esperança. E das frutas... das frutas vêm o suco, o doce em calda, um naco de goiabada depois do almoço... e pode ser cascão.

Nessa situação de crise existencial da goiabeira, meu marido foi à luta, como sempre, infatigavelmente. Arrumou, nem sei de onde, uma corda grossa, gigantesca, deu várias voltas pelo tronco dessa árvore tão poética, lisa, bicolor, que provoca a vontade de lhe acariciar e trocar confidências.

Precisávamos de muita força. Era dia de aniversário do nosso filho. Esperamos a chegada dos convidados para nos colocarmos a serviço. Sorrindo, disponíveis, todos se colocaram no quintal, puxando aquela corda, firme e compassadamente. Um suor fraterno, lindíssimo. Todos, rigorosamente, no exercício da vida, puxando a goiabeira para que ela não desistisse de existir, meio que dizendo que ela tinha uma função magnífica naquele espaço. Sempre havia algum sabiá –laranjeira passeando pelos seus galhos, quem sabe para lhe dar mais esperança e vontade de viver florindo.

Resolvi registrar o evento com uma foto. Eu peguei o costume de bater as fotos dessas situações um tanto inusitadas depois de lecionar num centenário colégio jesuíta por um quarto de século. Tudo eles registram. Eu nunca vi gostar tanto de fotografias como jesuíta. Eles adoram Sonho de Valsa também. Prá qualquer reunião, rolava Sonho de Valsa na mesa de todos os professores. Então, aprendi com os jesuítas, a sempre registrar os eventos.

Pronto! Todos fizeram a sua parte, puxando a corda. A goiabeira está lá, no seu mesmo cantinho. Ela ainda não está com vontade de dar frutos maiores, mas ocupa o seu lugar, na sua plenitude arbórea, exalando agradecimento pelo esforço de uma equipe que se formou com esse único fim: fazê-la acreditar na vida.

O aniversário do meu Vinícius se transformou na festa mais especial! 18 anos e apendendo a lutar pelo direito à vida de uma árvore que havia desistido. E a união dos convidados foi mágica e reveladora. Todos muito sorridentes nas fotos, e o sorriso era macio, sincero e sereno. Deu prá ver olhos brilhantes ali. Suor bendito! Força corajosa exibindo os corpos que se inclinavam para trás compassadamente e as mãos vermelhas apertando o pedaço de corda.

Bendito o momento em que as pessoas se unem sem interesse imediato.

Sagrada é a hora em que o esforço vale para encantar pessoas de diferentes idades e credos.

Companheirismo é uma das formas mais belas e delicadas de amor que o céu envolve, azul macio, misericordioso e atento, afastando o medo da solidão.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 20/04/2012
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