Aprender a viver

Meus amigos enfada-me a vergonha que tenho de olhar o mundo e seus donos de “conhecimento” e quantia reguladora. Sinto-me como um intruso que entra em uma festa sem se quer ser convidado. Alegra-me, porém, saber que outrora como assim diz a história, foi diferente, que não éramos robôs, mas sim humanos. E quem sabe a história não mude novamente? Não tínhamos que saber tudo sobre tudo e ainda por certo ter que mostrar isso como um valor inatingível de nossas crenças mais absurdas. Podíamos comer sem o tic tac que nos controla, apenas quando queríamos e tínhamos vontade. Podíamos dormir o sono do justo sossegado, sem esse som que nos atormenta a alma e que diz quem somos nós e quanto valemos. O pensamento era mais livre e podia servir para a vida em geral, não como dominação de uma “certeza” entre tantas, que me obriga a dizer, é tão filha de “Gasparzinho” quanta de um deus.

E que certeza é essa que mora nos livros? Melhor que a certeza da vida? Aprendemos com tudo o que fazermos e isso é uma verdade, mas o que se aprende tem que de alguma maneira ser demonstrado, e o demonstrado em sua realidade jamais é teórico e sim prático. Quem vive para o saber teórico e se dedica a ele com tanto entusiasmo é como um tatu que nunca saiu da toca e enfrentou a vida, mas que sabe os perigos que existem do lado de fora. Talvez eles saibam como ninguém o que aprendeu, mas suas práticas são essas. Porém quem vive a vida e se dedica a ela também sabe sua prática e como viver, pois nenhuma teoria, nenhum fundamento teórico pode ter real significado se não é vivido, pois a prática é justamente o fundamento em sua real certeza, como um espírito, uma intuição, algo que nos faz permanecer vivos. A prática de quem lê e aprende com a leitura é ler bem, a prática de quem escreve e aprende as técnicas da escrita é escrever bem, a prática de quem vive e aprende com a vida é viver bem.

Mas para que possam entender o que digo e o que quero alertar evidentemente, é que de modo algum passa pelo meu entendimento que alguém que vive apenas para o “saber” teórico (como se vivesse em um quarto trancado em meios a livros e o saboreando como o mais puro chocolate) e se esquece de viver a vida e seus riscos possa ter mais sabedoria de quem teve coragem de viver. Dê a um homem que vive trancado e enfurnado em meio a livros apenas um por cento de conhecer o mundo (a vida real), como assim fez Siddhartha Gautama (Buda), e ele aguçara seu desejo do verdadeiro conhecimento, e com certeza terá muito mais prazer em viver a vida e aprender com ela que em livros de todas as espécies. Ainda que o medo de sofrer lhe venha com a vida, será bem melhor do que o conhecimento da imagem dos livros. Quantos dos saberes foram dados a Buda, quantos ele negou por uma viagem à busca do viver o real e aprender de fato. Sua busca pela “verdade” ao ver a riqueza tão diferente da pobreza, do teórico e do prático (aqui me refiro para ficar claro ao que é sociável), do medo da dor e senti-la, das diferentes crenças, do conceituar e ter preconceito, uma vez também que quando se conceitua já estamos fazendo um preconceito sobre algo. Isso tudo o levou a iluminação. Na verdade, ele entendeu o que era humano, assim como podemos dizer que Cristo desde seu nascimento parece ter entendido ou sabia, pois sua vida inteira, mesmo sem escrever uma só palavra nos ensinou mais que muitas obras literárias, pois seu conhecimento estava no âmbito do ser. Nisso reside à verdadeira filosofia, a arte de saber viver ou viver com sabedoria, e sabedoria nem de longe significa “conhecimento” como alguns dizem e acham.

Contudo não me entendam mal, não estou aqui fazendo um repúdio ao saber teórico, mas apenas dizendo que ele é secundário a vida prática, a vida real. Um homem que viveu a vida toda praticamente em meio a saberes teóricos, e de uma hora para outra se encontra em uma situação de risco na vida, dirá a si mesmo que pouco ou nada lhe serviu o saber teórico diante de uma determinada situação, pois a vida em geral é como uma selva, a qual nós somos animais que aprendemos a viver dentro dela. Porém, para os mais jovens e os que viveram pouco da vida minhas palavras vão soar como anedotas, pois poucos viveram e pouco entendem ou tem conhecimento sobre isso. Quando, porém, pudermos juntar esses dois conhecimentos sem medo ou renúncia, sem discriminação, preconceitos, falsas verdades, então, chegaremos perto, talvez, do que podemos chamar de sabedoria.

TAS
Enviado por TAS em 21/04/2012
Reeditado em 05/07/2013
Código do texto: T3625347
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