O pobre jornalista na Bienal do Livro de Brasília

É sexta-feira, quase 22h30 e o pobre jornalista está voltando para casa. É pobre porque não está carregando sacola alguma. Está saindo de uma Bienal do Livro, mas está de mãos vazias. Acabou de assistir o Fernando Morais falando sobre biografia. Foi o debate menos concorrido da noite, mas foi o que terminou mais tarde. Quando a Bienal já havia silenciado, os grilos tomaram conta do auditório montado em plena Esplanada. E o jornalista sai satisfeito, pois gostou do debate. É o sétimo dia do evento e ele foi em todos até agora. E provavelmente irá nos três restantes. Ele, o poeta Nicolas Behr e um tal de seu Nelson, o sexagenário: foram essas pessoas que, sabidamente, estiveram lá a maior parte do tempo.

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Encontrei o seu Nelson logo no primeiro dia. Estava na palestra do Zuenir Ventura. E como o Zuenir vive comparando a juventude atual com a de 1968, o seu Nelson fez questão de se declarar sexagenário - sexagenário com orgulho. E funcionário público sem nenhuma mancha na carreira. É um velhinho magrinho, de calças curtas e óculos engraçado. Fez questão de fazer a pergunta no microfone, e não simplesmente escrever, como todo mundo. Todo mundo mesmo, porque até eu fiz uma pergunta. Dizia o Zuenir que de 1968 para cá acabaram as certezas. E como ele dava a entender que falta engajamento na atual juventude, eu quis saber como se escolhe uma causa para engajar sem ter certeza. Esse é o grande drama, disse o Zuenir. Terminou sugerindo o movimento ecológico e social como causas dignas.

Acabei seguindo o Zuenir até a livraria em que deu uma sessão de autógrafos. Mas fui mais pra olhar mesmo. Ver um escritor em ação, observar as coisas que fala e faz. Fiz isso também com o José Rezende Jr. De repente, dei de cara com ele perdido na Bienal. Perdido mesmo, porque procurava alguma coisa. Ele, naturalmente, não sabe quem eu sou. Eu, por outro lado, devia ser o único a conhecê-lo ali. E então passei a segui-lo. De repente, ele abordou uma garota qualquer e perguntou algo que não ouvi. A garota pensou um pouco e apontou algo no lado direito. Zé Rezende agradeceu e foi para lá. Acho que queria saber onde era a praça de alimentação. Encontrou um vendedor de pipoca e ficou parado ali na fila - tinha uma boa fila para comer pipoca.

Ele, sua mochila de estudante e seu tênis Allstar. Foi também assim que ele chegou para participar de um debate sobre a literatura de Brasília - essa coisa metafísica. Diz ele que o problema não está em publicar um livro, mas em ser lido. Seu segundo livro de contos, premiado pelo Jabuti, não chegou a mil exemplares vendidos. O que fazer pra ter leitores então? "Vira uma celebridade primeiro", ironizou. Foram os mesmos problemas apontados pelo Alcione Araújo, em outro debate. Um romance hoje em dia tem edição de três mil exemplares - e 85% não chega à segunda edição. É desolador. Formamos profissionais que não precisam de literatura. E até quem escreve não está mais precisando ler. O capital, o trabalho, tomam todo nosso tempo, disse.

O Mario Prata também estava nesse debate. Desceu a lenha nas Bienais do Rio de Janeiro e de São Paulo, que cobram ingresso e não pagam cachê. Aqui em Brasília, a entrada era gratuita. Segundo o Mario, não se paga nem o avião do escritor, apenas o táxi do hotel para o evento - que ainda por cima, no caso do Rio, segundo ele, fica na p... que pariu. Foi singular que essa discussão tenha acontecido no mesmo dia em que o Fabrício Carpinejar desistiu de participar da Bienal de Bento Gonçalves, depois que ficou sabendo do cachê do Gabriel o Pensador para o evento - R$ 170 mil, contra R$ 1 mil para os escritores.

Aliás, o Carpinejar também esteve por aqui. Não fez uma palestra, mas uma apresentação performática, que quase apagou o Nicolas Behr, seu companheiro de mesa. Como fugia do senso comum, derrubou o mediador várias vezes. Fez rir, e às vezes passou da conta. Aquele foi um dia de cronistas gaúchos, porque um pouco antes a Martha Medeiros lotou o Café Literário como nenhum outro escritor fez. E toda essa gente não ouviu mais do que costuma ler no que ela escreve - que cada um entenda. Nem se compara a quantidade de gente vendo a Martha com os que viram a boa palestra do Cristóvão Tezza - é verdade que concorria com o Bob Dylan na noite de Brasília, mas nem só a isso se deve a sua baixa assistência.

Tezza também não teve lá muita sorte com o pessoal do cerimonial. Começou sendo chamado de gaúcho. Na hora das perguntas, os papéis eram simplesmente jogados em cima da mesa ao seu lado, e ele que lesse. Não houve nem mesmo um encerramento oficial do evento - quem encerrou foi o próprio Tezza, que também não ouviu os elogios costumeiros desse tipo de evento. Coisa bem diferente do que aconteceu com o Miltom Hatoun, quando os elogios chegaram a passar do aceitável. E Milton fez, talvez, a melhor palestra do evento. Discutiu literatura, mas também arquitetura urbana. E teve a sorte de encontrar um público não apenas interessado, mas capaz de formular perguntas no mesmo nível do que se espera de um escritor.

O ruim foi que não durou muito: pouco mais de uma hora. Bem diferente, por exemplo, do debate sobre história, com o Domingos Meirelles, o Jorge Caldeira e o também performático gaúcho Eduardo Bueno. A conversa chegou a três horas e, embora tivesse bons momentos, saí antes de acabar. Bem diferente das duas noites que debateram biografia, com a presença não apenas do Fernando Morais, mas do Paulo César Araújo, o biógrafo do Roberto Carlos, e outros. Nelas, a impressão que se tinha era que podíamos ficar ali mais umas duas horas. O bendito artigo 20 do Código Civil foi mote para discussões pertinentes e agradáveis.

Foram os biógrafos também aqueles que mais elogiaram a Bienal e o que ela representa para a cidade. Carlos Marcelo, o biógrafo do Renato Russo, elogiou inclusive o local, no meio daquele gramadão vazio e sem graça na Esplanada. A Bienal teve muitos méritos, mas também vários problemas técnicos. Nos primeiros dias, era impossível se localizar no meio dos pavilhões. Chegaram ao ponto de fazer painéis com mapas, mas sem o tradicional "você está aqui". Lá pelo terceiro dia, colocaram placas. Ajudou. O piso também era um problema constante. Estávamos sujeitos aos tropicões, quando não aos buracos, naquele carpete improvisado. E, fora isso, os problemas costumeiros com microfones e áudios.

Na conversa com Carlos Heitor Cony e Thiago de Mello, esses problemas se somaram a outro, que foi o da manifestação dos professores do Distrito Federal. Era o aniversário de Brasília e a Esplanada estava em polvorosa, com protestos pipocando aqui e ali. E os professores faziam suas manifestações - justas, imagino - logo ao lado do auditório em que Cony e Thiago deveriam falar, praticamente impedindo que nós os ouvíssemos. Tivemos que aproximar nossas cadeiras do palco. E ali, bem pertinho dos escritores, ouvimos os dois - que somavam mais de 170 anos - falarem sobre literatura no tempo da ditadura. Thiago reverenciava Cony, que ali, de sua cadeira de rodas, com uma cara séria e um cérebro hábil, destilou o seu pedaço da história da Brasil.

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O pobre jornalista se rendeu apenas a alguns gibis da Turma da Mônica Histórica - aquelas edições antigas, com os personagens feitos com desenhos engraçados. Livros mesmo, não comprou. Também não esteve nos eventos mais populares da Bienal - não viu as apresentações musicais e nem as concorridas conversas com o Leonardo Boff, e outras mediadas pelo Paulo Henrique Amorim e pelo Luís Nassif. No último dia, desistiu em cima da hora de ver o Ziraldo - a fila era muito grande. O jornalista, na verdade, estava bem mais interessado nas ideias discutidas nos debates. E voltou para casa cheio delas. Tem muito o que pensar. E acha inclusive que tem muito o que fazer também. Assim ele se despede da Bienal que, particularmente, foi muito boa.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 24/04/2012
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