O ADEUS DO POETA

      Fecha-se o tempo-espaço vital do poeta, aqui, neste orbe terreal. Certamente já se lhe abriu outro mundo, luminoso e sem fim, em outras paragens do Infinito.

      Amigos, e do Barros Pinho toda a família, intelectuais, jornalistas, professores, comunidades estudantis e indígenas, muitos políticos e gente do povo, fomos todos nós dar-lhe o adeus final; mas, com toda verdade, adeus que nos foi dado pelo autor de “Natal de barro lunar e quatro figuras no céu”, à beira da sua urna mortuária, neste domingo, 29.

      Uma multidão inumerável lotou o Parque da Paz.

      Nunca, em outros atos solenes assim, de despedida definitiva, viram meus olhos tantas cabeças de gente, a um só momento, reunidas.

      O silêncio da massa que, no campo-santo, já esperava o cortejo vindo da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, lá onde se realizara a missa de corpo presente, era um mar sem fundo; impressionante o silêncio dos que sabem reverenciar os que verdadeiramente são merecedores de uma homenagem póstuma, sentida e deveras doída.

      À chegada dos três carros funerários que portavam coroas de flores e o corpo do poeta, junto à capelinha do cemitério, sob uma saudação musical da banda de música orquestrada por estudantes da vizinha cidade de Maracanaú, acotovelou-se uma multidão ainda cada vez mais reverente e silenciosa.

      Longos e pesados minutos depois, lá se nos ia um cordão interminável de pessoas, atrás do carrinho volante que portava o esquife, tangido por mãos e braços dos mais íntimos amigos, em trajeto ainda em silêncio de se não ouvir um pio, nem o mais leve esvoaçar de um mosquito.

      Era, estava e fazia sol, quase escaldante, sobre as nossas cabeças, à descoberta.

      O local da sepultura fora confinado em lugar bem distante, extremo do campo-santo; daí que o séquito, lânguida e lentamente, fez como que uma longa caminhada olímpica pelas avenidas do Parque da Paz.

      Ao chegar o acompanhamento, em préstito fúnebre, ao local do túmulo, duas enormes barracas de lona conjugadas já eram ocupadas, com pessoas às bordas e à sombra de árvores, por outra menor multidão que havia cortado caminho.

      À chegada do caixão, novamente o toque da banda de música dos estudantes, todos eles impecavelmente bem fardados – algo musical comovente a qualquer vivalma. Sem dúvida que um frade de pedra, ali presente, ter-se-ia emocionado.

      Em seguida, mais cânticos, músicas regionais e nacionais, um doído coro em vozes femininas e a homenagem solo de um artista da terra, o Senhor Macaúba, executando ao seu afiado bandolim páginas da nossa Música Popular Brasileira.

      Discursos de amigos, intelectuais e políticos, justamente quando a Natureza, que mostrara sol inclemente, pouco antes, agora vertia lágrimas de neblina muito fina.

      Um dos oradores teve fala feliz e lembrou que eram as lágrimas de saudade da Natureza; dito isto em linguagem religiosa, quiçá uma manifestação das Mercês de Cima.

      Ao ensejo da vinda do chuvisco inesperado, um helicóptero sobrevoa baixo o local do túmulo e derrama outra chuva, agora chuva de pétalas de flores brancas e vermelhas. Copiosa garoa de pétalas de rosas, numa saudação ao morto que se nos deixava para sempre.

      Somente ao final das exéquias, chuva de fato chuva. Fios mais grossos caídos dos céus, chuva de verdade, com mais vigor. E este cronista nem quis procurar refúgio, sob as árvores próximas, ficando molhado como um pinto imerso no azeite.

      Assim foi o sepultamento de um homem simples, culto e inteligente, generoso e solidário, cidadão e pai de família exemplar, amigo dos seus amigos – o poeta Barros Pinho, coração maior que este planeta em que vivemos.

                                                                                                                             Fort., 30/04/2012.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 30/04/2012
Reeditado em 30/04/2012
Código do texto: T3641851
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