Os últimos suspiros da tirania

Os últimos suspiros da tirania

Nada induz mais as pessoas a sonhar com a liberdade do que um regime autoritário, onde até os sonhos são proibidos. As sociedades oprimidas pela exploração e dominação de ditadores passam a se alimentar de ódio, cujo estopim precisa apenas de uma fagulha para disseminar a revolta, derrubar impérios e enfrentar canhões de peito aberto para resgatar o gosto de ser livre novamente ou dono de sua própria vida. No mundo árabe esse estopim estava nas mãos do vendedor de frutas, Mohamed Bonnazizi, que alijado de seu direito mais digno, que era manter o sustento de sua família, ateou fogo ao próprio corpo para chamar a atenção do mundo para o poder autoritário que subjuga vidas, impondo o terror e o domínio absoluto dos modelos fundamentalistas. Como uma avalanche, a revolução árabe começa a derrubar os poderes pró-imperialistas, e a ditadura que controlava a riqueza e a vida do povo árabe começa a ruir.

Foi assim também na América. Os governos dos países que rastejavam diante da força do imperialismo dos Estados Unidos, abraçaram a ditadura para manter o processo histórico de dominação e exploração de seus povos, impondo ideologias condizentes com o interesse americano, para manter firme as relações comerciais, que na visão desses governantes, eram as responsáveis pela estabilização econômica, pois dependiam do capital estrangeiro para subsistir. Por isso aceitavam o intervencionismo dos EUA, que sempre entrava em cena quando havia um governo incapaz de promover a harmonia do Estado e que através de um discurso com conotação altruísta, aparecia como o salvador da pátria, oxalá do mundo. Onde houvesse um governo capenga, a supremacia americana se instalava, garantindo a legitimação de um poder por eles escolhido, para entre aspas, manter a democracia e o desenvolvimento econômico e social, e ainda interferir na manutenção da ordem e na continuidade da fé cristã. Em contraponto, a política imperialista dos americanos semeava ideologias capitalistas e oposição ao avanço de movimentos socialistas, pois estes eram uma ameaça aos seus interesses de manter a garantia de exploração dos recursos naturais desses países, o baixo custo da produção agrícola e o abastecimento do petróleo para controlar o curso da indústria automobilística americana. O elemento facilitador para esse controle era a implantação de multinacionais em solo sulamericano, que surgiam com a promessa de grandes empregadores e geradores de recursos, mas que ao mesmo tempo promoviam o endividamento e a dependência cada vez mais crescente da economia no âmbito do capital internacional. Essa dependência financeira e o inevitável desgaste dos governantes eram o berço natural para os conflitos de classe, que consequentemente eram banidos pela ditadura, à custa de lágrimas e sangue dos defensores da liberdade, sonhadores incorrigíveis da democracia.

Foram muitos os gritos abafados pela mordaça da tirania. O homem, imbuído do poder, parece ficar cego quando ocupa o pedestal da glória e de repente vê no outro a ameaça que pode derrubá-lo do trono. E torna-se alvo fácil para os olhares de águia que enxergam mais longe e usam a manipulação para dominar nações inteiras através do medo e da submissão. Aconteceu no Brasil, quando o exército foi estimulado a assumir o poder e jogar uma pá de cal numa democracia que já agonizava diante da disputa interna de partidos que naturalmente criaram um conflito político . Foram anos de silêncio e opressão, onde as poucas vozes que ousaram chamar o povo à razão foram silenciadas nos porões escuros da tortura, nas covas anônimas que ainda existem espalhadas nesse solo gentil, nos exílios que aniquilavam a vontade humana. Foi assim também na Argentina, onde ainda choram até hoje na Praça de Maio, as mães que não puderam enterrar seus filhos, que abraçam o vazio à procura de corpos que ninguém diz onde estão ou para onde foram. A história deixou pistas em suas páginas, de filhos que arrancados dos braços dos pais, tornaram-se troféus de guerra e cresceram anônimos em casas de militares.

O poder que um ditador atribui a si mesmo tira-lhe a razão e o respeito pela vida humana, e sujar as mãos de sangue é só uma questão de ordem que a obediência cega cumpre sem questionar. Foram muitas as vítimas desse passado negro da nossa história que ainda é presente em países onde a violência, o autoritarismo e a intolerância ainda condenam seu povo à submissão, usando o nome de Deus como escudo e o ódio como arma para cegar a razão. Mas a ditadura agora começa a dar seus últimos suspiros. A queda do Muro de Berlim, o enfraquecimento da Muralha da China e a morte crucial de tantos ditadores abriram os caminhos para a luta pela liberdade tão sonhada por esse povo sofrido e castigado com a privação de seus direitos em busca da dignidade e da livre escolha dos caminhos de suas vidas.

Cada povo tem sua história, cada história tem seus momentos de agonia e de êxtase. Nossa agonia foi longa, mas passou. Estamos ressurgindo das cinzas, a passos trôpegos numa democracia que mal aprendeu a engatinhar. O êxtase ainda está distante, depende da leitura que nossas crianças de hoje fizerem das páginas dessa história que começa a ser conhecida. E tomara que sintam o sal das lágrimas que caíram em cada página, e não passem por cima do sofrimento de tantos que deram a vida para que hoje eles possam realmente viver em liberdade.

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 02/05/2012
Código do texto: T3645635