Pizza na Vila Sônia

De poucos anos prá cá, as pequenas pizzarias ganharam espaço na Vila Sônia. Quer dizer, nos mais variados bairros de São Paulo, essas pequenas pizzarias têm marcado presença e importância. Mas a Via Sônia é um bairro da zona oeste de São Paulo, de características residenciais. Bairro interessante, de forte presença japonesa. Com muita afeição percebo vizinhos ainda se cumprimentarem na rua. Mesmo eu, que morei ali por apenas 2 anos no início dos anos 80, sou cumprimentada por pessoas por mim desconhecidas.

Sou apaixonada pelo bairro desde quando o conheci no final. Da casa que herdamos – parcialmente herdamos – se enxerga o relógio do Conjunto Nacional. Entre o relógio e o nosso olhar de doçura, uma mangueira esplendorosa a abrigar pássaros diversos que encantam.

Da varanda da casa o silêncio faz uma poética parceria com as luzes da cidade. E não há nada mais deslumbrante que as luzes de São Paulo à noite! Debruçada na sacada interna, observo ao longe os carros que passam, para mim silenciosamente e em paz. Dali não consigo ouvir desentendimentos, ofensas, buzinas. Nem pessoas correndo para pegar o ônibus ou com o olhar de apreensão. Apenas observo amorosamente uma cidade que caminha. Dá prá imaginar uma cidade mais harmoniosa, moderna, com os melhores atrativos nas relações sociais e muito solidária. Uma cidade sem barulho! E dessa mesma varanda tenho a sensação de uma cidade humana e macia com a proximidade daquelas pizzarias que apenas cumprem o seu papel de levar o prazer extasiante para as pessoas solicitantes. O motoboy sai levando as suas caixas redondas carregadas de um odor paradisíaco e calmo ao seu destino. Retorna e continua no seu ofício até a madrugada. Onde existe o luar. O luar da Vila Sônia.

Na esquina de baixo, um bar que também oferece refeições a preços populares. Bem ali, há pouco tempo, existia bem à porta uma bancada com um sorvete que era produzido com a tecnologia dos anos 60: dois vidros emborcados – um de cada lado – cada qual com um líquido colorido. Os sabores eram normalmente morango ou limão ou abacaxi. Ao acionar uma pequena manivela redonda, por uma única saída, o sorvete ia deslizando suavemente e em círculos em direção à casquinha, que aguardava calma e silenciosamente a chegada do doce produto. Sempre na frente, uma criança de olhos muito abertos para esperar o resultado daquela magia. Isso encantava muito no meu tempo de criança. Hoje percebo que não mais. A maquininha sumiu e parece que esse desaparecimento provocou inquietação apenas nos saudosistas.

Numa noite, voltando da casa da tia, meu marido e eu resolvemos comprar uma pizza. Ficou difícil escolher: uma pizzaria oferece pizza de qualidade superior, outra oferece de primeira qualidade... mas resolvemos encostar o carro ali na calçada da rua Manuel Jacinto, fizemos o pedido e ficamos aguardado no carro mesmo. Resolvi ficar conversando com o pizzaiolo enquanto ele preparava a sua arte.

Generosamente ele aplicava o molho à massa já aberta. Caprichou no cuidado com a muzzarela e me disse que o primeiro pizzaiolo da Vila Sônia ainda estava vivo: era o Bigode.

Infelizmente não o conheço, mas gostei de saber da sua existência. Deve ser uma pessoa de bem. Impossível pensar numa pessoa de má conduta elaborando uma pizza. O Bigode deve ser cuidadoso, responsável, sensível. Ser pizzaiolo não deve ser para qualquer um.

As primeiras pizzarias da vila Sônia são dos tempos em que não havia nem telefone servindo o bairro. Tempos em que a avenida Francisco Morato era bem menos movimentada, a fazer ligação de São Paulo com o Paraná. Época sem shopping, com menos ônibus para servir os moradores, me nos bancos, menos tudo.

Aquela pizzaria da rua Manuel Jacinto – como as demais do bairro e, certamente, um grande número desses empreendimentos - era familiar. A esposa fazia o molho, o marido ficava na preparação, uma filha no balcão, o filho lidando com o forno a lenha... e a família ia se sustentando com a atividade claramente gratificante e encantadora. Enquanto isso os fregueses iam também se sustentando com alguns dedos de prosa na boa mesa, convidando um amigo, uma namorada, um parente, alguma pessoa especial para saborearem juntos uma comida assim tão poética, histórica, festiva, sempre carregada de boas mensagens e excelentes memórias de imigrantes italianos que fizeram de São Paulo uma monumental obra de arte e espaço do encontro.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 03/05/2012
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