O Penico

As agências de notícias divulgaram em dezembro de 2004 que se elegeu a obra mais influente do século XX o urinol, que Duchamp expôs em Nova York (1917). Faltaram votos para outras como a “Guernica”, de Picasso. Muita gente se espantou, muita gente achou graça, muita gente não entendeu nada! Um objeto deslocado de suas funções práticas e colocado num espaço artístico assumia imediatamente o valor de obra de arte, esta era a intencionalidade do criador.

Aproveito este texto sobre o urinol de Duchamp como epígrafe e preparação do espírito para falar de penico. E qual a diferença entre urinol e penico? Você saberia me dizer?

Antigamente, no meu tempo de menina, somente dentro das casas de pessoas ricas tinham instalações sanitárias. Em casas comuns, havia privada, que era um cômodo fora da casa, no quintal, usada somente durante o dia. À noite, usava-se o penico. Todo quarto, já compondo o mobiliário, contava com um penico. Que imbondo! Às vezes, ele valia ouro. Com bexiga cheia ninguém dorme. E a dor de barriga, altas horas da noite, poderia acometer qualquer mortal. Levar o útil objeto, no outro dia cedinho, à privada, é que era um martírio. Uma vez por semana ele era areado por alguém, escalado para o serviço.

Mas um dia, todo penico fura e precisa ser substituído.

— Lúcia, vai ao Mário Moreira e compre um pinico tamanho médio. — Disse minha mãe.

— Ah, não, mãe. Não tem jeito de fazer nele um remendo? Ou, então, mande a Célia ou a Lena. Eu tenho vergonha! — Eu retruquei, inutilmente. Mereci a resposta:

— Elas são pequenas. É perigoso andar nas ruas. Vai você mesma!

Oh! Meu Deus. Lá vou eu pela Praça da Matriz e depois descendo a Avenida Primeiro de Junho, a fim de tomar a Rua Itapecerica e chegar à Loja do Mário Moreira. Entro e me coloco à frente do grande balcão, que se estende de um lado ao outro da loja. Vejo nas prateleiras alguns penicos de esmalte branquinho.

— O que a menina deseja? — Fala o Mário.

Eu nem olho para a cara dele. Aponto o lugar onde se alojam os penicos.

— Eu quero um médio. — Falo baixinho.

O penico é embrulhado, faço o pagamento e saio rapidamente dali, já com um certo alívio.

E o penico vai para seu lugar de honra, debaixo das camas. E o furado tem outra destinação: servir de vaso para umas mudas de malva de cheiro.

Ah! E penico é sinônimo, irmão pobre do ilustre urinol de Duchamp.

***

Pe Nico, fique tranquilo que seu lugar está reservado é no meu coração:

Implicou de rimar comigo

e quer me levar ao holofote

Nanda, não deixe que este amigo

se misture com o bispote!

Pe Nico

***

Pe Nico voltou feliz com a explicação recebida:

Assim fico mais tranquilo

e a explicação me seduz

esqueço até onde pus aquilo.

o meu bispote, ai Jesus!

Pe Nico

***

Edlan de Cordeiro, que de cordeiro só tem o sobrenome, resolveu implicar com o Pe Nico:

Anda pra lá de saliente

esse pároco bem jerico

que pra causar ciúmes na gente

entra bispote, sai penico.

Edlan de Cordeiro

***

Meu amigo Edlan de Cordeiro,

Topa uma combinação?

Deixe que o Pe Nico

Siga em paz sua missão

Já pensou se ele cisma

Em não dar-lhe absolvição?

Ou então numa fogueira

Ele imola seu Cordeiro

E nem sequer dá-lhe a bênção?

***

Edlan de Cordeiro está recorrendo.

Preciso ser mais convincente em meus argumentos:

O Pe Nico é caso perdido

mas sou grato à sua intervenção

ele devia ser mais comedido

ou será caso pro Frei Dimão?

Edlan de Cordeiro

***

Tão piedoso o Frei Dimão

Enclausurou-se em retiro

Não lhe dê problema, não

Edlan, isto é muito giro!

Nanda

***

Vixe! Parece que fomos incomodar o Frei Dimão em seu retiro:

No silêncio piedoso

retiro-me em minha cela

lá sinto o divino gozo

bem distante da querela

Frei Dimão, inimigo feroz do namoro de portão.

***

Fique tranqüilo, Frei Dimão

Nem precisa aconselhar

Nada de namoro em portão

Só se a luz do poste queimar!

Nanda

***

Frei Dimão é intransigente quando o assunto é namoro de portão:

Digo e repito, sincero

que da inocência sou guardião

e porisso jamais tolero

nefando namoro de portão

Frei Dimão

***

Ser contra o namoro de portão, tudo bem, Frei Dimão, mas condenar também o de paiol? Paiol rima com arrebol e é tudo de bom!

Aproveitando o tema da hora

nosso singelo urinol

digo nada mais se deplora

do que o namoro de paiol

Frei Dimão

***

Frei Dimão veio do Retiro

Mais severo do que já era

No portão eu só suspiro

E o paiol me destempera?

Nanda

***

Condeno namoro de portão

como conversa sobre urinol

mas o maior veneno da nação

é o tal namoro de paiol.

Frei Dimão

***

Quando quiseres um sossego

Para o breviário rezar

No paiol terás aconchego

Ninguém irá te atazanar.

Nanda

***

Agrinaldo Payol, eu sei que o paiol tem alguns perigos, mas que ele tem seus atrativos, isto tem!

Gênero, número e grau

Nanda é aliciadora de escol

Depois de dar uma geral

sabe unir urinol ao paiol

Agrinaldo Payol

***

Frei Dimão não arreda o pé. É contra o paiol e pronto!

Perdeu-se nossa juventude

pras coisas que valem a pena

pois quem com paiol se ilude

acaba em coisa obscena

Frei Dimão

***

Preciso fazer alguma coisa para o Frei Dimão perder esta birra de namoro no paiol. De portão, vá lá, pois não é mais confiável ficar por ali até altas horas. Mas o paiol é aconchegante, interessante, massageante...

Condeno veementemente

namoros de paiol e portão

pois além de coisa indecente

só causam mais turbação!

Frei Dimão

***

Frei Dimão é parada dura

Quando lhe dá na telha

Lá vem ele com censura

E o o namoro desaconselha.

Nanda

***

Como guardião da inocência

digo sempre com voz amiga:

o paiol é pura imprudência

sobretudo p´la nua espiga

Frei Dimão

***

Hull, o embate agora é com você.

E Frei Dimão com seus desafios, nossa, como eu disse anteriormente, é uma parada dura!

E essa moça vem de repente

elogiando liberalidades

ah essa tal de Hull de la Fuente

precisa ouvir certas verdades

Frei Dimão

***

Frei Dimão, a Hull não deixou por menos e mandou o seu recado. Segura aí!

Frei Dimão, você me assusta

Poupe-me da sua verdade

E se ela não for justa?

Ai, meus sais, tenha piedade.

Tudo isto começou

com a história do penico

que a Fernanda aqui contou

sem medo de pagar mico.

Numa crônica interessante

dos tempos lá do passado

do objeto importante,

hoje deixado de lado.

Um abraço para o Menino Maluquinho e outro grande pra você.

***

Hull, Frei Dimão trouxe-lhe a verdade da qual ele não abre mão:

"Fosse o urinol somente

o assunto estaria sanado

mas é que entrou tanta gente

palpitando pra todo lado.

A minha indignação

não é contra o pobre urinol.

Ela encontra a sua razão

em namoro de portão e paiol.

Se és moça da cidade

ou se és do meio rural,

precisas sempre da verdade

que trago em meu sacro missal.

Submete-te pois ao pastor

com piedade e devoção

pois ele dialoga com o Senhor

pra te livrar do paiol e portão."

Frei Dimão

***

A Patty Faria veio defender com unhas e dentes o seu confessor:

Mas é mesmo muita ousadia

ou será pura encenação

de quem feito Hull desafia

o sacro-santo Frei Dimão?

Patty Faria

***

A santinha da Nágela Deyra "puxou as brasas para a sua sardinha":

Eu não namoro em portão

e abomino o tal paiol

virgem, vivo em contemplação,

e só confesso ao urinol!

Nágela Deyra

***

Nágela Deyra,

Digo-lhe com sinceridade

Não mais namoro em portão

Nisso aconselhou-me o abade,

O severo Frei Dimão.

Mas gosto muito de curtir

O namoro num paiol

É lá que vou assistir

A beleza do arrebol!

Nanda

***

Frei Dimão se acha o todo-poderoso:

O Senhor me deu seu cajado

para o seu rebanho conduzir

mas se continuar no pecado

muita ovelha inda vou punir

e a rudeza de meu cajado

há de fazer sentir

Frei Dimão

***

Estamos aqui na maior festa, com comemorações sem fim, tudo para celebrar o centenário de Divinópolis. E como vou ainda arrumar tempo para cumprir a penitência dada pelo rigoroso Frei Dimão? E ainda com prazo marcado no calendário. E tadinho dos meus joelhos! Eu, hein?

A jovem Fernanda Araújo

anda cheia de falsa ilusão

pois namoro de paiol é sujo

tal e qual o de portão.

Vou lhe ministrar penitência

que há de cumprir ajoelhada

pagando pela desobediência

que aqui fica registrada

Que reze Pai Nossos mil

ao longo de sete dias

e que se livre do que é vil

com mais mil Ave-Marias!

Frei Dimão

***

Esta recomendação do sacro-santo Frei Dimão até que está razoável!

Depois eu conto se segui à risca as admoestações.

Festeje santamente

o aniversário da cidade

e se vir Hull de la Fuente

recomende-lhe castidade.

Frei Dimão

***

Hull é mulher de garra e enfrenta qualquer desafio. Seguem dois recados, um para a Patty Faria e outro para a Nágela Deyra:

Deixo aqui o meu recado

pra bela Patty Faria

Com o Frei tome cuidado,

acabe com a idolatria.

Não estou bem convencida

com essa Nágela Deyra,

toda pudica, metida,

mas pega o Frei pelas beiras.

***

Hull, fiquei toda feliz com sua homenagem à minha querida cidade:

CEM ANOS DE PROGRESSO

Divinópolis comemora

com festa seu centenário

desde o romper da aurora.

Que festa de aniversário.

Parabéns, Felicidade

Ao povo belo, altaneiro,

Que segue sempre a verdade,

o bravo povo mineiro.

Ó Menino Maluquinho,

Nas festas não estarei,

teu conselho bonitinho,

só por isso seguirei.

Um grande abraço a todos vocês.

Hull de La Fuente

***

Frei Dimão, quis dar uma de bonzinho, mas acabou dizendo a que veio:

Façamos uma breve pausa

para o Divino festejar

trata-se de nobre causa

pela qual hei de jejuar

Mas não se iludam comigo

pois ninguém está ao abrigo

de receber duro castigo

se vier a mostrar o... umbigo

E respeitem o urinol

com seu paciente acerto

pois antes do arrebol

é quem nos livra do aperto

Fernanda, encontre pois diversão

mas à imaginação não dê asa

e como todo bom cristão

antes das nove, já em casa.

Frei Dimão

***

Hull, veja com quem você comprou uma briga:

E a poetisa pantaneira

que mantenha sua disciplina

pois brigar com Nágela Deira

é atear fogo na gasolina

E se bem seguir meu conselho

fazendo paz co´a Srta Deira

da virtude tornar-se-á espelho

e inda há de ser pia freira

Frei Dimão

***

Como divinopolitana da gema, fico muito feliz e agradecida aos amigos Pe Nico e Edlan de Cordeiro pelas amáveis trovas para a minha cidade. Obrigada, de coração. Nanda

À centenária aniversariante

registro meu grande apreço

eu que co´urinol debutante

cá estou desde o começo

Pe Nico

***

Tampouco fico pra trás

de algo que me perturbe

meu elogio todo se faz

pra essa querida urbe

Edlan de Cordeiro

***

Sei que a festa já passou

com celebrações colossais

e pra quem não aproveitou

centenário que vem tem mais

Yuri Ney Nakama

***

Oh, Yuri querido,

O entusiasmo foi acendido.

Pensa que a festa acabou?

Ela apenas começou!

Nanda

***

Chegou mais uma participante para a ciranda:

Quero também participar

dessa alegria incontida

mas meu medo é tropeçar

num Frei Dimão da vida

Aurina Branca das Virgens

***

Frei Dimão, vou seguir os seus sábios conselhos e já tomei uma séria decisão que vou revelar brevemente.

Passados os santos festejos

urge agir com toda prudência

motivos há, e são sobejos

pra que volte a concupiscência

Eu estarei sempre atento

pra livrá-los de todo o mal

serei superior no convento

como guardião da moral

Sinto que a jovem pantaneira

tem educação de berço

mas precisa ser mais rezadeira

e mais fé ter no terço

Se há alguma severidade

nos meus prudentes conselhos

sinal que estou co´a verdade

tal qual refletem os espelhos

Concito a jovem Fernanda

a preparar o arrebol

respeitar a aqui quem manda

e fugir de amor de paiol.

Frei Dimão

***

Frei Dimão, vou revelar

Minha sábia decisão

Doravante não acontecerá

O namoro de portão.

Nem tampouco o de paiol

Pode se despreocupar

Privo-me até do arrebol

Se é este o seu penar.

Seriamente, e com decoro

Pensei bem neste esquema

Acontecerá o namoro

no escurinho do cinema.

***

Ao frei Dimão confessei

Que estava namorando

A penitência que ganhei

É que fosse continuando...

***

Chegou uma candidata a penitente do Frei Dimão:

Acompanho esta Fernanda

seja por onde ela for

uma hora quem sabe me manda

mais dados de seu confessor...

Mara Canaan

***

Mara Canaan, eu sintetizo

Tudo do meu confessor

Mas de antemão lhe aviso

Ele é severo, um horror!

Nanda

***

Frei Dimão chegou e parece estar uma fera!

...que fosse continuando

e ainda por cima me agradeces

mas do que eu estava falando

é pra continuar só nas preces

Andas por demais ousada

e sabes bem da conseqüência

darei pois em dose dobrada

e na urgência, a tua penitência.

Frei Dimão

***

O senhor não explicou direito

E “continuando” eu estou

Se o moço não tem defeito

E meu pai o namoro aprovou.

Nanda

***

Frei Dimão, fico arrepiada de medo, pensando em suas rigorosas penitências:

Namoro de moça de bem

precisa de aprovação

a do pai sempre convém

mas da minha não abro mão

E se destarte continuas

na flagrante desobediência

as punições serão cruas

e mais dura a penitência

Frei Dimão

***

Já vi que Frei Dimão gosta de namoro à moda antiga, quando a noiva conhecia o noivo olhando-o pelo buraco da fechadura:

Não passa um dia sequer

sem que eu exorcize o tema

que tanto mal causa à mulher

como o escurinho do cinema!

Frei Dimão

***

Frei Dimão, segue a letra da música para você cantarolar e, quem sabe, ficar mais condescendente com os namoricos no cinema:

Flagra

Rita Lee

Lará! Lararararará!

Larará! Lararararará!

No escurinho do cinema

Chupando drops de anis

Longe de qualquer problema

Perto de um final feliz...

Se a Deborah Kerr

Que o Gregory Peck

Não vou bancar o santinho

Não!

Minha garota é Mae West

Eu sou o Sheik Valentino..

Mas de repente o filme pifou

E a turma toda logo vaiou

Acenderam as luzes

Cruzes!

Que Flagra!

Que Flagra!

Que Flagra!

Uauauauauá!

Larará! Larará.

***

Frei Dimão, acho que para o senhor ficar feliz, terei que voltar ao namoro do tempo do footing. Para quem não sabe, o footing fez história na vida de muita gente mineira na década de 50:

Eu jamais posso concordar

com tantas coisas tão vis

e se no escurinho, esse chupar,

não for os tais drops de anis?

E se continuas na desobediência

nessa pura devassidão

vou triplicar a penitência

e vou ficar de plantão.

Frei Dimão

***

Se os céus estão a meu favor

Vou hoje do footing participar

Ir e vir naquele “corredor”

E um namorado arrumar.

(E creio que o Frei Dimão aí não vai implicar...)

Nanda

***

Ainda bem que a Elmara Cujah veio em meu socorro:

Nanda não dê conversa

pro profeta do apocalipse

senão você se dispersa

e logo vem o eclipse.

Esse tal frei Dimão

pode até mesmo ser um abade

mas o que ele não é não

é dono de toda verdade.

Elmara Cujah

***

Elmara Cujah,

Você tem toda razão

Em me dar tanto conselho

E em implicar com o Frei Dimão

Que quase me aponta o relho!

Me diga o que tem de mal

Em namorar no cinema

Se do meu pai tenho o aval

Tem algum problema?

Nanda

***

Frei Dimão é um abade terrível. Ele não se dá por vencido:

Toda moça namoradeira

perde muito seu valor

se fala que nem lavadeira

e namora no "corredor"

Ao invés das coisas mundanas

a mais sagrada opção

é deixar esses atos sacanas

e ir correndo pra oração.

Frei Dimão

***

Frei Dimão, se em lugar nenhum pode-se namorar, o que fazer?

Quero saber o motivo

De tamanha implicância

Será que tem atrativo

Coisas sem relevância?

Se escutar o seu conselho

O melhor que eu farei

Antes que me destrambelhe

Num convento internarei.

Nanda

***

Com toda a paciência

Que me causa admiração

Ao invés de penitência

O frei deu uma explicação!

Nanda

***

Namoro que não é pecado

e que toda alma sacia

é aquele bem comportado

que se passa na sacristia

E formando um belo par

na sua composição ideal

de se levar ao altar

é Nanda e meu sacro missal.

Frei Dimão

***

Cuidado com os palpites

das que se dizem amigas

que não respeitam limites

agarradas a outras "espigas"!

Elas vêm com suas sutilezas

afetando solidariedade

mas só querem fazer presas

pra distilar leviandade.

Frei Dimão

***

Elas estão do meu lado

E decifraram a charada

Que o namoro abençoado

Dá-se até na balada.

Nanda

***

Frei Dimão acha que o melhor para mim é a clausura de um convento, onde o dia é todo passado em orações:

Esses amores de balada

nada têm de abençoado

ainda faço sentir essa moça

da dureza de meu cajado

Esquece o namoro de paiol

e qualquer similar intento

em troca de suave arrebol

na clausura de um convento

No seio da doce clausura

serás noviça de escol

gozando de alegria pura

no uso de dourado urinol

Frei Dimão

***

Vou chamar o Pe Nico para dar uma bênção neste Frei Dimão!

Concito a ter fé ardente

a jovem namoradeira

verás que lançada a semente

te tornarás mais rezadeira

Deixando os mundanos vícios

e passando a noite comigo

encontrarás nos suplícios

o doce-amargo de um castigo.

Frei Dimão

***

Quero saber, Frei Dimão,

As atrações de um convento

Não sei se tenho aptidão

Pra ter bom comportamento.

Gosto de badalação

Um forró bem ajeitado

Um lote de agarração

E um beijinho adoçado.

Nanda

***

A aversão de Frei Dimão aos bons pazeres da vida é notória em seus sermões:

Namoro de agarração

é do demo um dos mais vis atos

recomendo já já a confissão

pra não re-lavar as mãos de Pilatos

Quanto ao lascivo forró

acho pura indecência

que faz da neta à avó

viver em concupiscência

Frei Dimão

***

As penitências de Frei Dimão estão ficando impraticáveis:

No horto das Oliveiras

nosso retiro fica acertado

livrar-te-ei das besteiras

na ponta de meu cajado

Viverás na abstinência

e mais completo jejum

livre da concupiscência

e o resto é lugar-comum

Com os joelhos a sangrar

o rosário recitarás

depois para se aliviar

de meu breviário lerás

Frei Dimão

***

Frei Dimão, oh, Frei Dimão

Assim que me desejas o bem?

Carregando assim a mão

Da penitência vai além?

Pobres dos meus joelhos

Coitadinhos a sangrar

Seguirei os seus conselhos

Mas nem tudo vou acatar.

Nanda

***

Acho que Frei Dimão pirou de vez. Esse martírio faz ganhar o céu?

Dô conta não, Frei Dimão!

A penitência, guarda bem,

é tão-somente para o início

depois virão, como convém

sessões plenas de cilício.

Frei Dimão

***

De sofrimento eu tô fugindo...

Voltarei pros meus namoros

Cheios de encantos mil

Eu ficar aqui em choros

Este não é meu perfil!

Nanda

***

Frei Dimão aconselha os jovens no namoro:

Namoro bem comportado

eu te direi como é

distante de todo pecado

e bem unido na fé

Permite tocar na mão

para se cumprimentar

e jamais chegar ao portão

quando se estiver em par

Tudo se passa na discrição

sob iluminada sala

nada de agarração

nem segurar a bengala

O beijo, dom celestial

tem total proibição

pois só se faculta ao casal

casado e com comunhão.

Esse teu comportamento

é desatada rebeldia

se queres santo casamento

sê pura, sê de Maria

Revelar a intimidade

só para jovens de escol

sem nenhuma claridade

e direto no urinol

Frei Dimão

***

Desse jeito, Frei Dimão

Num acordo não chegaremos

Ou o senhor abre mão

Ou o barco perde os remos.

Onde já se viu tanta lei

A proibir com severidade

Desta forma toda a grei

Vai duvidar da verdade.

Isto pode, isto não pode

Minha cabeça vai pirar

Acabo não fazendo o que pode

E fazendo o que não pode.

Nanda

***

Frei Dimão tomou um chá de erva-cidreira e voltou mais calminho:

Ó minha ovelhinha amada

apascentá-la é o que mais quero

mas tua reação atribulada

me faz por vezes ser severo.

És quiçá namoradeira

isto é fato ou será só boato

mas a verdade verdadeira

tudo põe em limpo prato.

Sei que amas a castidade

e na vida és modéstia pura

reza pois com seriedade

e minha bengala, segura

Livra-te dos maus pensamentos

pensando só em coisa boa

e sentirás a paz dos conventos

sem tempo para a coisa a toa

E no mais recôndito lugar

que em teu corpo proteges

estarás sempre a me esperar

livre de pagãos e hereges.

E quando o prazer sentires

esse será de eterno gozo

à medida que adquires

o sofrimento por esposo.

Far-te-ei ovelha feliz

prenhe de razão e de juízo

como manda o supremo juiz

que te acolherá no paraíso.

Frei Dimão

***

Frei Dimão tá mais tranqüilo

Agora vamos até conversar

Se prometer manter sigilo

Posso até me confessar.

Mas convento não quero não

Não faz nada o meu estilo

Tudo por um sério senão

Acho lá mais um asilo.

Lugar de muita reza

Até o santo desconfia

E o zelo pela pureza?

Isto é mais pra minha tia.

Está vendo, Frei Dimão?

Não aperte na penitência

Faça uma adequação

Relaxe a consciência.

Nanda

***

Frei Dimão é muito bonzinho. Ele vai me livrar dos pecados:

Não me canso da porfia

pra fazer uma conversão

passa lá na sacristia

e dispensa o sacristão.

Cuida de meus paramentos

e ao pai canta uma glória

e eu te prometo os sacramentos

com uma forte jaculatória.

E pra mostrar que os safados

nas trevas duras agem

livrar-te-ei dos pecados

com uma sacra bolinagem.

Frei Dimão

***

Tanta bondade de Frei Dimão é impossível rejeitar:

Para me livrar dos pecados

Faço todas as orações

São momentos atordoados

E repletos de tensões.

Por isso vou acatar

Sua bênção e água benta

O senhor é meu avatar

Que me tira da tormenta.

Só não quero penitência

Com dose para elefante

Aí não tenho paciência

Isto não levo adiante!

Nanda

***

Frei Dimão,

Digo-lhe de joelhos:

Estou de mala e cuia

Longe de teus conselhos

Em liberdade: aleluia!

Mas sou bem ajuizada

Sou uma menina de truz

Nada de fazer burrada

Meu coração é só de Jesus

Um abraço deixo aqui

Se vier me confessar

Um beijinho incluí

Para o frei adocicar.

Nanda

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 17/05/2012
Reeditado em 29/06/2012
Código do texto: T3672459
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