Um breve olhar

Diante das janelas dos prédios, tento divisar alguém que esteja me olhando, que esteja se perguntando: quem é aquela pessoa a me olhar?

Mas ninguém nunca responde...

Quando estou em meu carro, apressada, distante, vejo o mundo à minha volta como apenas um pano de fundo. As pessoas caminham, conversam, pedem esmolas no sinal. Eu me pergunto quem são elas, como são suas vidas, o que levou aquele homem até aquele local...

Mas nunca questiono realmente, apenas sigo em frente sem olhar para trás.

Mas no entanto, existe uma pessoa que me intriga e sempre o vejo no sinal.

É um homem magro aquele, com roupas simples, mas limpas. Ele tem vergonha pela situação em que se encontra, carrega um embornal de pano rude e nas mãos alguns papéis com o logotipo de um hospital.

Ele não fala me olhando nos olhos quando paro o carro no sinal. Ele balbucia algumas palavras, sons tímidos e enterrados. Seu sofrimento é grande, eu imagino. Não sei se é sofrimento físico ou apenas a humilhação de se passar por um pedinte.

O sinal abre e sigo em frente, mas não sem antes deixar uns trocados com o homem. Sempre.

Eu gostaria de saber quem é ele. De onde vem. Qual o mal que lhe aflige.

Mas nada digo. Nunca.

Apenas sigo em frente, com umas moedas a menos no painel do carro.

Lembro de meu pai, idoso e se recuperando de uma queda. Penso nele. Imagino sua vida sem mim, sem ninguém, sem dinheiro, parado em um sinal apenas esperando a bondade alheia, sem querer olhar ninguém nos olhos e esperando nunca ser reconhecido.

Faz alguns dias que não vejo o homem. Pergunto-me se terá sucumbido. Pergunto-me se eu poderia ter feito algo. Certamente sim.

Minhas lágrimas são silenciosas, mas ainda sim rasgam minha face como algo muito doloroso...

Será que perdi minha humanidade?

Alessandra Vasconcelos
Enviado por Alessandra Vasconcelos em 31/05/2012
Reeditado em 31/05/2012
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