Os amantes da contradição moral

Vejam só vocês que história louca a de um amigo meu. Um amigo que por motivos, digamos óbvio de preservação da imagem ou força contundente, não é necessário que lhe fales o nome, mas meteu-se em uma grande encrenca por um ato de dignidade moral (não dele, devemos esclarecer o nosso leitor), o que é de fato uma coisa muito estranha e que é necessário explicar-lhes melhor.

Primeiro amigos, é importante que vocês a partir de agora comecem a observar o fundo da questão, digamos não o fundo necessariamente, mas as mãos. De fato, refiro-me as mãos, melhor dizendo, as mãos que são pintadas, que se pintam... Quero dizer, as manicures que frequentam vosso lindo e maravilhoso lar. Deveras as mulheres poderiam preocupar-se melhor com isso, com vossas artistas manicures, e como elas não só cuidam das vossas mãos, como também podem cuidar das mãos ou quem sabe de vossos excelentíssimos maridos. É preciso achar demais esquisito o hábito de vossos maridos fazerem as unhas três ou quatro vezes por mês, até mesmo mais que vocês mesmos, ou não?

Não menos esquisito é o fato de entre um cafezinho ali, um sorrisinho acolá, uma unha a ser pintada - o fabuloso marido não queira apenas fazer a mão, possa ser que ele quisesse fazer algo além disso, e não é necessário que eu esclareça aqui (Acho que vocês entenderam o que estão nas entrelinhas da questão). Por outro lado, nossa serva amiga de confiança não queria de fato apenas cuidar das mãos de nosso galã, quem sabe ela de uma hora para outra, como em um espírito que as pessoas pegam e nunca conseguem explicar como, estivesse ela agindo como uma esteticista a cuidar do corpo todo? (não sabia que manicures faziam isso). Pronto! Estava formado o balaio de gato: olhos, mãos, inclusive mãos e mãos, pé e pés, olhares e olhares, uma caneta, um papel, um convite, e uma saída.

Bem meus amigos, o que seriam somente as mãos para quem poderia compartilhar as maravilhas do corpo por inteiro? Algo muito pouco eu acredito. Mesmo que fossem somente as mãos, parecia que era preciso encontrar no corpo o ponto certo para elas, difícil mesmo era querer que a esposa entendesse tal técnica altamente sofisticada de uma simples manicure. Mas tal técnica inovadora merecia um lugar especial, longe dos olhos dos simples mortais que porventura não sabem distinguir mãos e mãos. Para isso, cliente e profissional, que por acaso chamaremos de pombinhos, resolveram logo a solução: um encontro (logicamente que às escuras). Assim eles poderiam executar de forma plena essa nova técnica, ao qual chamo de sacanagem, mas eles preferem um nome por demais aperfeiçoado durante anos: amor. Que lindo! Como é lindo o amor, a entrega, os olhos brilhando, a ternura e a.... Burrice!

Nosso Don Juan apressado pelo encontro deixa cair de seu bolso um objeto deveras importante nos dias de hoje: um celular; que por sinal era o seu. Caiu tal objeto do seu bolso enquanto pilotava sua velocíssima moto, acompanhado da manicure que parecia voar contra o vento que tocava seu corpo. Mas parece que a sorte ou o azar estava ao seu lado, porque incrivelmente vinha passando pelo local uma senhora de mais ou menos seus 65 anos, que com um gesto simples ainda tentou chamar a atenção de nosso galã gritando: “Senhor! Senhor! Caiu!” Mas o nosso galã apressado e com o capacete em sua cabeça parece não ter ouvido. Ora, que maravilhoso destino foi reservado a nosso galã, parece ter tido sorte, pois quem perde algo deseja encontrar, e aquela senhora que viu o celular cair, e podemos dizer que ela era a dignidade humana em pessoa, honesta e, sobretudo moral. Jamais ela ficaria com um objeto alheio ou tentaria vendê-lo ou usá-lo para qualquer outro fim, mas tentaria devolvê-lo ao dono de qualquer forma. Que honestidade!

Mas naquele exato momento da história tudo o que o nosso galã precisaria era ter ao seu lado alguém moralista, ou mesmo alguém honesto, vamos explicar: podemos dizer que a honestidade é uma regra moral, e que pessoas honestas agem seguindo regras de moralidade, sendo assim, agem de acordo com princípios que acreditam serem morais, e é lógico que dona Maria (nome fictício para a senhora que encontro o celular) agiria assim. Pois bem, de fato, dona Maria sem saber muito bem o que fazer e com tal objeto em seu domínio, pensou de forma clara: “vou ligar para alguns números da agenda para encontrar alguém ao qual possa devolver o celular”.

Na verdade dona Maria só precisou fazer uma ligação, e adivinhem para quem? Muito bem... Para a sua belíssima e amada esposa. A esposa sabendo do acontecido foi ao local informado pela senhora para recuperar o celular perdido do marido. Ao chegar ao local, encontro uma senhora muito simpática, alegre e principalmente honesta.

- Dona Maria como foi que a senhora encontrou o celular? – perguntou a esposa querendo saber detalhes.

- Minha filha, o rapaz passou na mota com a bichiga, num velocidade tão grande que nem percebeu que o bicho caiu. – disse a senhora.

- Pelo amor de Deus! Aquele homem é muito desastrado mesmo. Mas muito obrigado minha senhora por tudo. A senhora aceita... (antes da esposa colocar a mão na bolsa e terminar a frase a senhora a interrompera)

- Não minha filha, pelo amor de Deus, pra mim basta o que Deus me deu, além do mais, eu ajudo porque gosto, nem se preocupe – disse a senhora.

- Então, nem sei como agradecer, muito obrigado – a esposa então abraçou a senhora em um forte abraço, mas antes que ela saísse à senhora deixou um alerta.

- Minha filha, só peça pra ele não andar doido assim, pois é muito perigoso, ainda mais quando leva gente na garupa! – exclamou a senhora.

- Como? – perguntou a esposa.

- A senhora peça...( agora foi a vez da senhora ser interrompida pela esposa)

- Não minha senhora, que história é essa da garupa? – perguntou a esposa.

- Sim... Quando ele passou aqui na mota, ele trazia na garupa uma moça da bundona, bem agarradinha com ele... Eita!!! Minha filha, oi, num era bem isso... (antes que a senhora tentasse remendar o que foi dito, a esposa já estava bufando e com os olhos vermelhos como o diabo, fumaça saindo do seu nariz, as veias inchadas, os músculos parecendo que iriam saltar, tremendo como um bambo verde estava como uma fera que range os dentes esperando pegar sua presa e dilacerá-la.

- Muito obrigado minha senhora – agradeceu a esposa saindo dali que nem o raio pegava.

A primeira coisa que a esposa vez foi olhar as chamadas do celular. “Ao verificar chamadas oriundas e recebidas, veio à surpresa: números que se encaixavam perfeitamente no instinto lógico da matemática sexual, que muito revelavam fatos e acontecimentos que desencadeiam em termos e ações comprometedoras a relações estáveis e sociáveis.” o fato é: seu marido tinha uma amante, e a amante era sua manicure e a manicure era sua amiga. A fera então almejaria a doce e amarga vingança.

A de se esperar o final dessa história com tantas contradições morais que parecem formulas mágicas. Um aparelho que normalmente serve para se comunicar deveria estar incomunicável. Uma senhora que age honestamente deveria agir de modo desonesto. Um objeto perdido que nunca deveria ter sido encontrado e devolvido. A verdade que merecia ser dita ao menos deveria ter sido mencionada.

Agora estou em dúvidas se remeto a moral à história ou a história a moral? Já não sei se é a moral que pertence à história ou a história vem dela. Não importa, agora pelo menos fica claro que mesmo agindo moral não nos livramos de certos transtornos, e que por sinal se da exatamente por agirmos morais, ao passo que ficamos na dúvida se a culpa dos resultados da equação é nossa por agirmos morais ou não. Pronto! Se não agimos morais nos sentimos culpados e se agimos morais, às vezes, também nos sentimos culpados, coisa complicada.

Moral da história: Se você se sentir na dúvida em alguma situação se deve ou não deve agir moralmente, aja, pois de uma forma ou outra você pode se sentir assim, mas, é bem melhor, quando se age honestamente, pois a paulada não vai ser na sua cabeça.

Ps.: Você já perdeu um celular? Cuidado com quem o encontra, pode ser alguém muito honesto.

TAS
Enviado por TAS em 02/06/2012
Reeditado em 10/07/2012
Código do texto: T3702531
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