ACENDE A FOGUEIRA DO MEU CORAÇÃO

“O balão vai subindo/ vem caindo a garoa/o céu é tão lindo/ e a noite tão boa/ São João, São João acende a fogueira do meu coração...”. Assim começava o mês de junho, antigamente, é claro. Quando maio terminava, com suas noivas e anjinhos, os primeiros rojões estouravam ao longe. Uma alegria diferente parecia tomar conta das pessoas. Nos quintais, ainda grandes, bem cuidados, surgiam as fogueiras e, ao redor delas, famílias, amigos, vizinhos, às vezes até quem aparecesse, formavam uma grande roda, onde a prosa corria solta, com muitos “causos”, daqueles que só se contava naquela época. O importante: tudo com muito respeito. Tá, de vez em quando alguém soltava uma piada mais forte e tudo terminava em riso.

De repente, apareciam os pratos com pipoca, canjica, pé de moleque, a infalível batata doce, naturalmente precedida por alguns comentários e, é claro, o quentão bem dosado. Tudo isso fazia parte do mês dos santos fogueteiros, comemorados desde a antiguidade, lá pelos idos de 1.583, quando os brasileiros os adotaram. O primeiro era – e é – Santo Antonio, tido como o casamenteiro. Na véspera, as moças solteiras, mesmo as que afirmavam não acreditar nessas coisas, colocavam papeizinhos contendo os nomes dos possíveis pretendentes, cuidadosamente dobradinhos várias vezes, dentro de uma bacia com água deixada no sereno a noite toda e, ansiosamente aguardavam o dia seguinte. Aquele papel que estivesse aberto conteria o nome daquele que seria o eleito. Claro que nem sempre dava certo. Mas a vida seguia em frente, feita de muitas esperanças. Afinal, Santo Antonio tinha poderes limitados e milagres no estilo nunca foram tão fáceis.

Em seguida era a vez de São João, talvez o mais celebrado a quem eram endereçadas a maioria das fogueiras. A crença, segundo se observa pelos relatos históricos, estaria na própria bíblia, uma vez que Isabel, a mãe do santo, já grávida, aguardando sua chegada, havia combinado com Maria, que uma fogueira seria acesa, no alto de um morro, para avisá-la da hora do parto. E assim foi feito. E o mês de junho prosseguia de forma romântica, até nas músicas. Veja-se, por exemplo, a composição de José Fernandez e Luiz Gonzaga: “foi numa noite igual a esta/ que tu me destes o teu coração/ o céu estava em festa/ porque era noite de São João/ havia balões no ar/ xote e baião no salão/ e no terreiro o teu olhar/ que incendiou meu coração...”.

Nesse clima todo romântico, embalado pelo frio e pelos rojões de lágrimas que cortavam o céu, colorindo-o de forma diferente, o mês de junho prosseguia. Era uma época bem mais sutil, o que não impedia o surgimento de romances, alguns muitas vezes habilmente escondidos dos pais, então severos, implacáveis, que viviam apregoando “com minha filha, não senhor”. E quantas vezes eles nem percebiam. Mas, a maioria ficava mesmo era nas inocentes trocas de olhares, pois os vizinhos e conhecidos faziam questão de exercer severa vigilância. E os bailes caipiras então? Eram concorridos, com quadrilhas muito bem organizadas. Mas a moçada curtia mesmo eram as seleções dançantes mais lentas. Afinal, era no meio do salão que as emoções mais fortes aconteciam.

O mês se encerrava com o tributo a São Pedro, o dono da chave do céu, no dia 29. E era feriado, o que acabava facilitando as festanças, pois na época ninguém trabalhava. Os mastros, com as imagens dos três homenageados, surgiam em todos os locais e eram reverenciados. Faziam parte das festas, uma vez que o levantamento dos mesmos havia ocorrido no início, lá na festa de Santo Antonio.

Mas, sem dúvida alguma, São João era mesmo o grande astro. Afinal, a ele foram dedicadas quase todas as músicas, principalmente aquela que trouxe uma espécie de súplica feita por todos os românticos e donos de corações apaixonados: “... São João, São João, acende a fogueira do meu coração...”.