Somos todos ricos!

Eu sei que nem sempre os jornais têm boas notícias para dar, então é com muita felicidade que anuncio uma ótima para o leitor: você está rico! Não é maravilhoso? Recentemente fui informado pelo Governo que faço parte de um seleto grupo de pessoas bem afortunadas. Bolas, pois se eu faço parte, imagine o leitor, que tem casa própria, um carro razoável, e que se dá ao luxo de comprar eletrodomésticos, ou mesmo roupas em shoppings centers - para si e para a família. Isso sem falar em eventuais viagens a passeio. Certamente é um milionário. Me dê aqui a sua mão, leitor. Meus cumprimentos. Crescemos, afinal. Mudamos de classe social. 

Explico: segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, você agora já está na classe média se ganhar ao menos R$ 291 por mês. Quero crer que os meus leitores ganham isso. Eu, modéstia à parte, ganho até mais. Houve algumas profecias por aí decretando o fim da classe média, mas agora ela está mais viva do que nunca. Todos os que ganham entre R$ 291 e R$ 1019 fazem parte dela. Chegamos ao ponto em que não é preciso ganhar nem um salário mínimo para ser de classe média. Tomem essa, mundo desenvolvido. Europa, países do Norte: aprendam com a gente como acabar de vez com a miséria.

Eu faria ainda mais: equiparia o valor mínimo da classe média aos R$ 70 necessários para entrar no Bolsa Família. Que outro país é tão desenvolvido a ponto do Governo auxiliar a renda não dos pobres, mas da classe média? Chupa, Obama. Bom. Em todo caso, classe média pra mim é coisa do passado. Com essa nova classificação, entrei para a classe alta - a baixa classe alta, que é baixa, mas ainda é alta. Mal eu descobri isso e no dia seguinte larguei minha marmita e fui comer comida de verdade. Camarões flambados com conhaque. É terrível, mas necessário: preciso me portar de acordo com a classe a que pertenço.

 

Um dia eu ainda chegarei à alta classe alta. Só preciso ganhar R$ 2.500. É o maior estágio que uma pessoa pode alcançar. Acima disso é bilionário e ponto. Não temos uma classe específica para enquadrar gente que ganha R$ 26 mil por mês, como os deputados federais. O português é uma língua bastante limitada que ainda não encontrou um adjetivo à altura (literalmente) dessa classe. Altíssima classe alta ainda seria pouco. Estratosférica classe alta e elevada parece mais adequado à nossa nova e feliz realidade. 

Mas voltemos à classe média. Vamos imaginar o que é viver com R$ 291 por mês. E aqui em Brasília. Pra começar, eu teria que trocar de casa - casa é como eu chamo a despensa em que durmo na Asa Sul, um dos bairros mais caros do Brasil. Iria ter que morar longe do trabalho. Bem longe, já perto de Goiás. Provavelmente de favor. Iria trabalhar de ônibus. Quase R$ 10 de passagem todo dia pra Brasília. Só aí já dá 300 contos. Não. Ia ter que trabalhar perto de casa. E comer? Como eu ia comer, Santo Deus? Só o necessário pra não desmaiar de fome. Ia ter que aprender a lavar roupa. Depender do SUS. Emprestar tudo, absolutamente tudo. Pedir as coisas na cara-dura. Não casar e não ter filhos.

Bolas, desse jeito eu vou acabar chegando à conclusão de que hoje em dia é mais fácil ser classe média morando com os pais.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 15/06/2012
Reeditado em 15/06/2012
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