Ignorância trasviada

Se pudesse dizer à todos o que sinto, eles simplesmente ririam de mim, simplesmente ignorar-me-iam, simplesmente fariam aquilo que já fazem quando batem no peito e se dizem donos da verdade. Se eu pudesse esconder a ausência de tudo o que amo e que me causa dor, escondê-la-ia a sete chaves, porque a ausência daquilo que amo já está impregnada no meu pequeno ser , de modo, que agora somos um só, ausência e presença, quer seja no destino ou na solidão. Se pudesse arrancar um pequeno sorriso dessa ausência louca, ela passaria tão rápida quanto a sua vinda, mas eu não posso, pois de mim arrancaram todas as possibilidades, colocaram-me uma máscara da infâmia e minhas palavras simplesmente pararam e minha alegria morreu ali. Se eu pudesse simplesmente gritar, se Deus pelo menos me ouvisse, se a morte fosse generosa, quem sabe eles, todos eles, esses que gozam as minhas custas teriam pelo menos um pouco de dignidade ao me verem. Mas quem da dignidade ao homem? E quem é bom de mais para querer tal dignidade sem se contradizer? Assim, torna-se quase impossível tal missão. Talvez a presença mostre a ausência tão clara para aqueles que nada ouvem que não sejam suas belas convenções manifestadas em alegrias até o próximo desabor, que por sinal, nada há contra eles, mesmo que as repetições e os desabores aconteçam, pois há sempre uma armadura feita de espelhos que escondem aquilo que insistentemente não se quer saber. Se um dia o destino me levar ao mar e o mar a liberdade, banhar-me-ei em suas águas, louvarei, cantarolarei, terei um pouco de alegria e purificarei meu espírito e deixarei que riam daquilo que não aprenderam a chorar de si mesmos, pela inconstância da dignidade que expelem de suas peles, pela ignorância trasviada, por fazer tudo e sempre tudo do mesmo jeito, e não entenderem que tudo é também uma convenção que eles próprios criaram.

TAS
Enviado por TAS em 23/06/2012
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