A FORMAÇÃO CONTINUADA

“Turnicutico!” (e todos trocam de posição)

Chego no bar do Chico. Uma turma alegre e festiva está lá. Juntaram mesas, comem porções generosas dos salgados que têm no boteco e bebem, bebem fragorosamente. Alguém sacou um pandeiro, e tocam, e cantam, e contam piadas, e riem, e celebram a vida.

Tem um boné virado no centro da mesa, o ventre cheio de notas amassadas e algumas moedas. E umas tirinhas de papel. Faz parte do ritual, colocam ali o que têm e podem gastar. Os papéis amarrotados indicam o valor que fulano ou beltrano vai gastar no cartão. E torça para que a maquininha do Chico não falhe hoje...

Quando me aproximo, um deles pergunta meu nome. Respondo e sou brindado: “Escobar é um bom companheiro, Escobar é um bom companheiro, Escobar é um bom companheiro, ninguém pode negar”. Rio sossegado, descubro que entre “os meus”, tô em casa. Logo logo faço as primeiras amizades, me animo, ouço histórias, arrisco uma piada sem graça (e eles riem!), vou me aconchegando. Agora então já posso ser “batizado”. Explico melhor: quem se enturma definitivamente com o coletivo, é convidado/convocado/obrigado a tomar uma dose (num único gole) da Justa Causa, pinga artesanal que o Del (membro da “diretoria” do grupo), carrega em sua mochila e sempre impõe ao novo “familiar”. Se beber direitinho, passa a fazer parte da confraria.

Depois vem a surpresa: são todos educadores. Trabalham com jovens. E também são muito jovens, em seus êxtases criativos, suas memórias afetivas e suas ânsias de viver intensamente, em trocar saberes. Estão reunidos ali pois estavam fazendo treinamento de formação naquele dia e agora se reuniram para continuar “o aprendizado”. Apelidaram esse momento de “formação continuada”. Criatividade maior, só quando se deparam com questões aparentemente insolúveis de seus alunos.

E eu, que sempre achei que essa coisa de bar se prestava mais a um desserviço social, descubro – empírica e etilicamente – que também estou sendo educado para a excelência na arte de bem viver.

Em tempo: Turnicutico é o mantra que alguém grita quando percebe que as panelinhas estão há muito tempo reunidas. Nessa hora, todos mudam de lugar às mesas, para interagir com outras pessoas.