O pinguço

Cá entre nós, o Joaquim gostava tanto da marvada da cachaça, que desconfio que misturava até na comida. Bebia de segunda á segunda. Fizesse chuva ou sol. Dizem que tomou gosto pela branquinha, ainda menino. A avó materna dava lhe uma dose uma vez por semana para enfraquecer as lombrigas. Não fazia mal algum, já que a própria anciã tomava pelo menos meia garrafa ao dia, e sempre teve uma saúde de ferro. A mãe de Quinzim (como era chamado) não gostava da ideia de ver o menino aos seis anos, bebendo o tal remédio sem fazer cara feia. Pelo contrário, dando bicotas. Reclamava com o marido, mas esse se pelava de medo da sua progenitora, por isso fazia de cego. O certo é que Joaquim cresceu e continuou enfraquecendo as lombrigas, só que as doses multiplicaram e passaram a ser diárias. Verdade seja dita, ele se tornou um homem forte (um tanto avermelhado, talvez pela cachaça), Nunca se queixou nem de dor de dente. Casou-se cedo. Á sua maneira foi um bom marido, mas nunca foi pai. Acredito que por nunca passar as noites sóbrio. Havia fartura em seu lar, pelo menos de cachaça e carne (para tira-gosto). Amigos também eram fartos, todas as noites vinham direto do trabalho para a casa do Quinzim. A mulher desse , não gostava nada de ver os marmanjos bebendo ,tocando viola, emporcalhando a sala com tocos de cigarro, urinando na tampa do vaso e gargalhando até altas horas. Mas desistira de reclamar sem ser ouvida. O próprio marido dava mal exemplo escarrando pelo chão, limpando as mãos engorduradas nas cortinas e arrotando pelo simples prazer de fazer barulho. Nem dormir a pobre podia, pois não é que uma noite um dos tais amigos, transtornado pelo álcool imaginou que estava em casa deitou na cama do casal, e de quebra abraçou a mulher que gritou apavorada. Ao ouvir os gritos Quinzim entrou cambaleando no quarto e ralhou com a esposa por fazer escândalo por motivo tão bobo. Durante muitos anos a mulher que era evangélica fez campanhas, orou e esperou que um milagre acontecesse, mas ao completar cinquenta anos, (na dita idade da loba), foi embora da cidade com um pregador, uma década mais jovem que ela. Quanto ao pinguço ,digo, ao Quinzim, viveu até os oitenta e cinco anos. Jamais padeceu de solidão. Não lhe faltaram amigos e muito menos uma boa cachaça. Vânia Lopes 05/07/2012