DA JANELA DO HOTEL

Nada é mais convidativo do que a janela do primeiro andar de um hotel baixo em Bordeaux, cidade das flores. Ficar ali olhando à-toa a tarde que se prolonga no verão até para além das 21 horas. E era verão.

O casal está parado na esquina - a janela é de esquina - portanto, eu estava logo acima da cabeça deles.

O homem segura o braço dela, me parecendo com força:

- Mas você deu, ou não deu?

- Bem,...

- Deu ou não? Responda olhando para mim.

Ela respondeu sem olhar para ele, gesticulando muito com a mão esquerda. Não consegui perceber se ela havia ou não dado, não sei o que, para não sei quem. Talvez um recado, ou mesmo um beijo. Ele me pareceu não gostar ou não acreditar no que ouvia e fez um muchocho.

O barulho dos carros pela rua me faz perder pares do diálogo que julgo importantes.

- E as crianças, como é que ficam? - agora é ela quem pergunta com uma expressão tristonha. Sim, na certa é uma separação. Eles, com quase quarenta anos, provavelmente têm filhos pequenos, não muito. Ela já devia ter outro em vista, era bonita.

- Ora, não me venha com essa. Sou um homem e sei muito bem o que devo fazer...

Discordo. Não é o fato de ser homem que o leva a saber bem o que fazer, tanto que ele a ameaça agora com um braço levantado, sugerindo a intenção inequívoca de desferir um tapa.

- Você não é besta de me bater - e ela, que não era besta de ver se ele era ou não besta, se afasta rapidamente.

- Você deu ou não deu? - de novo ele pergunta quase implorando por uma resposta convincente, indo ao seu encontro, também rápido.

Falam baixo. Ora um, ora outro. Silêncio. Se olham, se abraçam. Vejo que em Bordeaux, cidade das flores, como já disse, existem casais românticos. Aparentemente se acalmam, se acertam.

- Não e não! - ela o afasta.

Em Bordeaux, os casais são imprevisíveis, impulsivos, se empurram. Agora, me parece que ele vai pedir - implorar - de joelhos, mil desculpas. Mas não, apenas coça as calças na altura dos joelhos. Ela balança a cabeça para lá e para cá e os cabelos louros a acompanham.

- Claude, meu bem - ele se chama Claude.

- Sim, Ariene - murmuram confidências, trocam carinhos. Claude me parece muito mais afetuoso do que Ariene. Beijam-se, contornam a esquina abraçados. Param para atravessar a rua. Desabraçam-se. Ele fala alguma coisa forte, bate o pé. Ela responde vermelha, de punhos serrados. Grita.

- Não e não!

- Deu ou não deu?

Ela faz uma cara marota. Eles sorriem, reiniciam a caminhada, novamente abraçados. Já vão longe. Se antes eu os ouvia e via, agora só me chega a imagem. Soltam-se e recomeçam a batalha gesticulam com veemência. Para perceber melhor o enredo, me debruço mais para fora da janela. Claude se vira e faz um gesto obsceno na minha direção. Parece que percebeu e não gostou da minha bisbilhotice.

Vendo-os cada vez mais longe, ainda no "quero-não-quero", acabei ficando sem saber se ela deu ou não deu, seja lá o que for, para quem quer que seja. Ariene é muito elegante. Deve ter dado.

Já é noite, fecho a janela do hotel em Bordeaux, cidade das flores, dos amores estranhos e de turistas curiosos.

Karpot
Enviado por Karpot em 06/07/2012
Código do texto: T3762852
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