A COBRA NA ESCAROLA

Comida caseira. Ela pôs a mesa. Ele despejou a escarola escolhida, lavada e cortada, na panela cheia de água. Coou e levou a hortaliça à travessa, para temperar.

Quando iam se servir, ele, que enxerga melhor, percebeu uma folha diferente. Afastou as vizinhas e uh la la! Uma cobra para o jantar.

Imediatamente o estardalhaço. Como uma marca confiável, à qual eram fiéis há anos, apresentava, com a verdura, uma cobra?

Bem, não era necessariamente uma cobra, ao menos não inteira. Também não enorme. Propriamente lá estava a cabeça e uma parte do corpo do inútil réptil defunto. Era, todavia, uma cobra. Alguns centímetros de cobra, que fora cortada juntamente com o verde da comida.

Chamam o vizinho, biólogo (confirma: é uma cobra), fotografam, ligam para a fábrica que embala o produto.

Um motoboy visita o casal e leva a embalagem embora, com cobra e verdura, para análise.

Respondem. O presidente da empresa reuniu o pessoal. Não faziam idéia de como a cobra teria parado no pacote. Um empregado? Caiu de algum lugar?

Trabalhamos no Judiciário. Lidamos com processos.

Leva-me a notícia, completada com a da próxima visita - na mesma tarde - de um representante da empresa.

Ora, fotografia pode ser montada. O ofício foi embora, empacotado como veio.

O vizinho viu a cobra, viu a verdura, mas não acompanhou o processo todo, desde o abrir da embalagem.

Como provar?

Sugiro uma testemunha. Esta não pode, é amiga daquela. A outra, idem, comadre de aqueloutra. Este, amigo daquela. A estagiária! Maior, idônea, inteligente, discreta. Não se frequentam, jamais viajaram juntas.

Antes da hora marcada, prepare o terreno: a estagiária deve sentar naquela mesa, próxima ao balcão. Lá, ouvirá tudo. Mas deve fazer-se de mouca, concentrada no trabalho. Quando ele admitir, expressamente, o erro, tentar concertar, oferecer alguma coisa, no momento oportuno você apresenta a garota: "Está vendo esta moça? É a minha testemunha. Ouviu tudo e pode atestar, em Juízo, tudo o que falamos, palavra por palavra."

O circo foi montado. Nem precisaria estar a testemunha tão próxima: o sujeito falava alto.

De toda forma, agora é certo que a cobra estava lá.

Maria da Glória Perez Delgado Sanches

Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

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