O boa vida

Carlito nunca trabalhou. Sentia urticaria só de ouvir falar em serviço. Houve em sua vida apenas duas ocasiões em que pensou em trabalhar. A primeira aos dezoito anos quando se apaixonou. Queria impressionar a moça, então pediu ao pai grana para comprar um agradinho para ela. Teve o pedido negado, e durante um dia e meio procurou trabalho. Não obteve êxito. Oque lhe ofereceram era muito cansativo. Era até abuso lhe oferecerem trabalho como vendedor de calçados. Por acaso achavam que sua coluna era de ferro? Não era para ele esse negócio de abaixa, levanta pega e guarda sapatos. Preferiu esquecer a moça e conservar a saúde. A segunda vez em que cogitou em trabalhar foi aos trinta anos. Foi convidado por amigos para ir a uma festa, mas havia uma condição: A pessoa só entraria, mediante a entrega do presente. E não era qualquer lembrancinha de um e noventa e nove. A comemoração era em uma mansão, por isso o presente tinha que fazer jus ao ambiente. Carlito então foi procurar serviço, já que seu pai nunca lhe dera e nem lhe daria dinheiro. Percorreu os comércios da cidade, mas só encontrou emprego de vendedor. Claro que ele recusou. Não nascera para fazer contas e nem embrulhos. Ofereceram também trabalho como atendente telefônico em um jornal. O moço até se interessou, mas quando soube que teria que trabalhar aos sábados até o meio dia, desistiu. Sábado era o seu dia de dormir até mais tarde, de jogar futebol com os amigos, de passear com seu cachorro Pirata. Decidiu não ir a tal festa. Afinal a comemoração era apenas um dia, e seu descanso era para sempre. Assim viveu Carlito. Na ocasião da sua morte, muito se questionou sobre sua idade. Alguns falavam em setenta e sete anos, outros em sessenta. A verdade mesmo é que o defunto tinha a face livre de rugas e se a pessoa não tivesse convivido com ele, afirmaria que Carlito morrera muito jovem. Poderiam até apostar que a morte o colhera aos quarenta anos de idade. Será que a ociosidade o favoreceu não revelando seus traços de maturidade ou será que sua eterna juventude foi a causadora da sua enorme vontade de ficar ocioso? Vânia Lopes 23/07/2012