Depois do trabalho


Cheguei em casa depois de uma tarde novíssima, de um trabalho novíssimo em folha. Quase, quase trinta anos. Não, não estava cansada. Estava bem, levando –se em consideração o período de férias e o recesso escolar.

Deixei a bolsa no sofá, sapato num canto e descalço, sentindo o chão frio massageando meu pé, fui para a cozinha fazer o café, (êpa, rima!) café que a gente toma e que tem o doce aroma essa terra primaveril, - era um jingle muito antigo, uma propaganda do café, não sei que marca-, mas sempre me recordo principalmente se estou tranqüila como hoje.

Coloquei água na cafeteira, o pó no coador, liguei- a e, enquanto esperava o café, fui até a janela, para ver se via o meu neto. O coleguinha me viu e disse lá debaixo que ele havia ido à doceria com outro amigo. Fiquei desconfortável. Não gostei de chegar e não o encontrar, pelo menos por perto. Fiquei esperando e olhando, e espiando. Que hora? Umas dezoito, por aí, mas ainda estava bem claro – horário de verão é assim – claro e fresco provocando nas pessoas e principalmente nas crianças à vontade de ficar lá fora, de curtir a vida.

Voltei para cozinha, adocei uma xícara do delicioso, saboroso café e fui andando de novo até a janela, saboreando o café e a tarde. A criançada num pega-pega danado gritava quando o outro a pegava, esbravejava, reclamava...

Mais adiante depois do portão, lá rua já, havia os animais que pastavam. Esses animais vêm e vão todos os dias e não descobri de onde são mas, são um encanto. De repente um cavalo sem sela e em galope. No lombo, um pequeno garoto foi parando o animal e calmamente foi levando os animais – vacas e bois-. Os animais foram andando um atrás do outro numa muda obediência.

O cenário ficou diferente de repente. Como num passe de mágica a criançada parou a correria, e ficou olhando aquele menino, do tamanho deles, que estava trabalhando e de forma tão responsável, talvez ajudando os pais. Parecia que as crianças perguntavam, mudamente: Ele não brinca? Ele não vive? Ele não vai à escola? Respostas para depois.
Muito depois. Se tivermos respostas.

Notei que enquanto observava tudo lá fora o vento veio fazer sua costumeira visita. Balançou a cortina, quase derrubou meu vaso de lírio da paz. Senti-o na face e gostei e fiquei quieta em silêncio, namorando a tarde e tudo que acontecia lá fora.

Acordei do encanto com a xícara vazia e fria nas mãos. Meu neto já havia chegado e divida suas compras com os amigos. Voltei para a cozinha, desta vez para preparar o jantar.