Como é que pode?

Elsa Balbão Pithan

Nasci numa família de colorados (Sport Club Internacional). Meu pai e depois o meu irmão, foram diretores do Departamento de Basquete. Tinham carta branca, eles decidiam e pronto, todos assinavam em baixo. Eu era torcedora “doente” e não perdia uma partida. Conhecia todos os jogadores e me orgulhava de torcer pelo Internacional. Pois não é que casei com um gremista fanático! Mas nem eu nem ele tocávamos no assunto quando os nossos times jogavam, ganhassem ou perdessem.

Nossa filha nasceu e cresceu. Imaginem! Gremista ferrenha como o pai. Vibrava quando o Grêmio ganhava e fazia brincadeiras comigo o que me deu oportunidades de aprontar também umas boas para ela. Bom, minha filha fez um curso na Inglaterra e eu, acreditem, para vê-la feliz na sua volta, pintei as paredes do apê de azul claro e as portas e janelas de azul forte. A alegria dela ao entrar no apê compensou o meu sacrifício em ver tudo azul em vez de vermelho. Uns tempos depois resolvemos morar em Floripa e coloquei o apê à venda numa sexta-feira e precisava vendê-lo até segunda-feira para poder comprar o apê em Floripa.

O corretor, Seu Jair, me disse: A senhora, quem sabe, pinta o apê todo de branco. Com este colorido azul a senhora não vai conseguir vendê-lo. Eu respondi: Seu Jair, não dá tempo, segunda-feira eu quero o dinheiro da venda do apê no banco, senão eu perco o apê que eu quero em Floripa. Ele meneou a cabeça incrédulo mas se conformou. No sábado apareceu uma senhora que olhou o apê, fez uma cara de desdém, não gostou e foi embora. Acho que era colorada. Mas eu não me abalei. Domingo pela manhã bateu um senhor na porta e quando eu o atendi ele abriu os braços com um sorriso vitorioso falou com voz possante: “O Grêmio! A cor do Grêmio! Meu filho vai se emocionar quando eu contar. Quanto é o apê?” Eu disse o preço. E ele respondeu: “Negócio fechado, o apê já é meu!” Eu falei, “O senhor não quer olhar o resto do apê?” E ele, “Não precisa, tem dois quarto, luz boa e essa cor maravilhosa!” Telefonei para o Seu Jair e disse “vendi o apê, Seu Jair.” E ele: “Já, Dona Elsa?” E eu, “Já. O comprador era gremista fanático. Seu Jair, o senhor é colorado?” E ele, “Sou, Dona Elsa...” E eu: “Eu também sou, Seu Jair.”

Obs: Anos antes, quando o Grêmio ganhou o Campeonato Mundial em 1983 eu saí, acreditem, pelas ruas de Porto Alegre, junto com a filha, sacudindo a bandeirinha do Grêmio numa das mãos. Na outra eu sacudia a do Internacional.

*Este texto foi escrito para participar da Edição 100 do jornal Letras Santiaguenses!!!