DEUTSCHE MARK”, O MARCO ASSASSINO

Um pouco de história, para se entender melhor a razão do Marco do Centenário da Imigração Alemã em Juiz de Fora:

D. João VI, havia retornado à Portugal para reassumir o trono e deixou no Brasil, seu filho D. Pedro I, como Imperador, levando consigo toda a tropa portuguesa, além de sua guarda pessoal.

Passado algum tempo, o Imperador D. Pedro I, receando uma reviravolta na política, tratou de se precaver e formou sua própria guarda pessoal e um pequeno exército, mandando contratar, lá na Alemanha, mercenários desocupados pela paz que então reinava na Europa.

Tais mercenários, contratados à peso de ouro brasileiro, embarcavam com seus uniformes e armamentos, às vezes até uma companhia inteira, com oficiais e soldados.

D. Pedro II, em 1858, atendendo aos pedidos de seu amigo MARIANO PROCÓPIO FERREIRA LAGE, um engenheiro que morava em Juiz de Fora, mandou contratar, também na Europa e especificamente na Alemanha, trabalhadores e técnicos para a construção da Estrada que ligaria Juiz de Fora, centro produtor de café, até o porto do Rio de Janeiro, para escoar a produção da região, até então feito em lombos de burros.

Mariano Procópio, com financiamento do Imperador, fundou a Cia. União e Indústria, para tanto, adquirindo terras, desde a atual Rua Paula Lima, subindo o Morro da Glória, Bairro Mariano Procópio, Fábrica, Borboleta e São Pedro, criando a Colônia Agrícola D. Pedro II, depois Colônia de São Pedro.

Tais alemães vieram à bordo de navios veleiros, que partindo do porto de Hamburgo, norte da Alemanha, porto do Rio Elba, em cinco navios lotados com famílias alemãs, com média de 04 filhos cada uma e divididas em credos proporcionalmente entre católicos e luteranos.

Uma das maiores famílias foi a de Johannes Clemens e sua esposa Ana Maria Stenner (11 pessoas, o casal e mais 09 filhos).

Esses colonizadores alemães participaram ativamente no progresso e desenvolvimento de nossa cidade de Juiz de Fora, então com somente 08 anos de emancipação política de Barbacena, fato este ocorrido em 31/05/1950.

Passados cem anos, os descendentes destes imigrantes resolveram homenagear seus antepassados e no governo do prefeito Dr. Ademar Rezende de Andrade, em 12/08/1958 ergueram em praça pública um monumento de pedra, perpetuando assim a gratidão pela coragem e trabalho que eles dedicaram à sua nova Pátria.

Segue-se a leitura da crônica.

Nasci a 12 de junho de 1958, portanto tenho completos 35 anos. Tenho mais ou menos 1,70m.

Atualmente moro no bairro Borboleta, logo no início do bairro. Há pouco mais de um mês, exatamente no dia 17 de novembro de 1993, fui atropelado por um carro em desgoverno.

Atirado ao chão, sofri escoriações e ferido encontro-me até hoje. As pessoas passam, olham e alguns de curiosidade até chegam perto para avaliar meu sofrimento. Outros, nem isso, passam sem perceber que existo.

Fui batizado em 10 de agosto de 1958 e nesse dia a festa foi de arromba. Vieram delegações de várias partes da cidade, do estado, do Brasil e até do exterior para festejar com Juiz de Fora minha chegada. Meus padrinhos foram nada mais que S.A. Imperial D.Pedro de Orleans Bragança, o herdeiro do “trono brasileiro” e o Cônsul alemão em exercício à época.

O prefeito de Juiz de Fora era o saudoso Dr. Ademar Resende de Andrade, que anfitreou a solenidade do meu batismo. Nasci de um bloco de granito negro que foi trabalhado em forma triangular e em mim incrustadas três placas de bronze. “Numa o nome das autoridades legislativas e executivas da época da imigração (1858), na outra as mesmas autoridades de então (1958) e noutra, num emblema lembrando as indústrias da cidade, os seguintes dizeres: “Centenário da colônia alemã D.Pedro II” – 1858 – 1958 – 12 de junho”.

Sim, sou o marco da pedra que foi erigido originariamente na Praça Agassiz, Bairro Mariano Procópio, desta cidade e solenemente inaugurado do modo acima descrito. Lá, permaneci por muito tempo, no meio da praça onde pessoas transitavam e crianças brincavam alegremente à minha volta, até que um dia ...

Talvez por erosão, ou por desgaste em minhas bases, fui causador de uma morte. Um jovem foi esmagado por mim, após ter sido empurrado por um seu companheiro. Fui processado, julgado e condenado. Minha pena foi cumprida na reserva do Poço D’Antas. Lá, abandonado e esquecido, com mato e terras à minha volta, fiquei interditado por muito tempo ...

Até que, por ocasião da IV FESTA ALEMÃ, em setembro de 1990, reassumida após 15 (quinze) anos pelos descendentes dos imigrantes alemãs residentes no bairro Borboleta fui lembrado e tirado do ostracismo.

Após ingentes esforços junto à administração municipal, que dizia não ser possível reerguer-me novamente em praça pública, já que era réu culpado e condenado, e, mais ainda, prova de um crime, conseguiu-se, com a ajuda do vereador do bairro, José Mauro Krepk, também descendente de colonos imigrantes, como este articulista, levar-me até o “ponto geográfico-histórico” onde uma bifurcação marca o início da Colônia de Baixo (Borboleta) e a estrada que levava e leva até as regiões da Colônia de Cima (São Pedro) e lá, fui novamente erigido numa pracinha construída pela Prefeitura especialmente para receber-me.

Para evitar-se novamente acidentes como o da Praça Agassiz, quando fui condenado por assassinato, fui “empalado”, isto é, perfurado com uma broca até o meio, e fui assentado sobre um ferro chumbado ao chão.

Um dia... pude então me redimir, compensando a morte que causei em tempos idos, se é que poderia haver compensação “in casu”.

Um automóvel Opala, descendo o Caminho Largo ou Caminho da Mindoca, atual Rua José Lourenço, movido à álcool, (o carro e/ou o motorista), desgovernou-se e em alta velocidade se aproximava do lugar onde eu estava.

Um grupinho de crianças, que se dirigia à Escola da Borboleta, estava passando pelo local e seria fatalmente atingido pelo carro, quando então me coloquei no trajeto do bólide. O motorista já havia pulado do veículo em movimento e a batida foi espetacular.

O carro parou incontinenti, me derrubando ao solo e desfazendo-se sua frente. As crianças, distantes cerca de cinco metros, apavoradas, assistiam a cena, entendendo que foram salvas pelo meu gesto heróico.

Apesar de fortemente fixo nas bases, do modo acima descrito, não foi suficiente para evitar minha queda, devido ao forte impacto do automóvel desgovernado.

Um povo que não se preocupa com seu patrimônio cultural, que não cultua seu passado, que futuro espera?

VICENTE DE PAULO CLEMENTE

Bisneto do imigrante alemão Phillip Clemens