Errar é humano, não é?

Após ter cumprido os procedimentos preparatórios, vinte minutos antes estava eu chegando na clínica para a realização da ultrassom. Devo dizer aqui o quanto me custa ficar doze horas sem ingerir nenhum alimento, pois adoro comer, e normalmente gosto de beliscar qualquer coisinha antes de dormir, enquanto vejo TV. Também não me faz feliz ter que usar, um dia antes, os medicamentos indicados para diminuir os gases intestinais.

Chegando na clínica vi duas recepcionistas desesperadas e uma multidão aguardando atendimento. Mas eu já estava preparada para isso. Esses planos nunca cumprem os horários agendados. Nem entendo porque marcam hora se não conseguem administrar isso. Por um instante me pareceu que as duas moças estavam se alfinetando. Uma delas soltou uma fala carregada de veneno “todo dia chega atrasada!”. Entendi que estavam se referindo à outra colega que até então não havia chegado para o expediente do dia.

- Moça, tenho uma ultrassom marcada para às oito e vinte!

- A senhora está com a guia?

É impressionante a interação existente nessa abordagem. Você não merece sequer um olhar da moça do lado de dentro do balcão. Apresentei a bendita guia, juntamente com a carteira do plano, temendo aumentar a fúria daquela jovem cansada. “É só aguardar!” foi o que ela conseguiu me dizer, com a única intenção de se livrar de mim. Ela devia ter visto minha cara de insatisfação, mas sequer me olhou.

Mas eu não saí da frente daquele balcão. Parecia que estava plantada ali. E cada vez que ouvia o nome “Maria” uma esperança me tomava, fazendo-me crer que era a mim que estavam chamando.

Notei que chegava a terceira atendente – a atrasada. Já devia ser umas oito e meia. Suas colegas deixaram escapar algumas falas entredentes, como se a estivessem condenando pelo atraso, quando ela explicou que o trânsito a havia feito refém.

E muitos outros nomes foram chamados. Indaguei da moça que chegou por último, em que momento eu seria atendida, já que a hora marcada para o exame eu já havia perdido. Diante da resposta dela, que em nada me esclareceu, com um olhar esticado, alcancei uma pilha de guias, onde deveria também estar a minha. Na primeira delas, escrito à mão, o horário nove e vinte e cinco. Curiosamente, e com ódio, perguntei como meu atendimento era às oito e vinte e o paciente de mais de uma hora após o meu, faria a ficha antes de mim.

Fiquei sem entender nada depois da sua informação: como seria possível a atendente do médico controlar os horários se, na recepção, o atendimento era por ordem de chegada?

Já estava prestes a explodir de raiva. A pior coisa que existe no mundo é você querer soltar o verbo e ter que se conter por conta dos julgamentos. Eu queria brigar, falar com o chefe delas, enviar reclamação para o SAC, mas me segurei. Achei que ainda era cedo. Até o tratamento “senhora”, insuportável, absolutamente mecânico, me incomodava. Calma, Celça! Frieza nessa hora! Eu me policiava para não dar vexame. Afinal a culpa nem é delas, pobres atendentes! Elas não podem ser responsabilizadas pela falta de respeito ao cliente.

Não resistindo à espera fui na segunda moça. Pedi que me indicasse a que horas seria possível realizar meu exame, alegando a questão do jejum, etc. Ela, não mais simpática que as outras, pediu que localizassem minha guia e a pusesse sobre as demais. Eu seria a próxima. Já eram quase nove horas e eu ainda estava na primeira recepção. Absurdo! E ainda tinha que me preocupar com o trabalho, pois avisei que me atrasaria um pouco, não disse que iria passar a manhã toda ausente. Mas ninguém naquele lugar tinha nada a ver com isso. Além de mim, uma infinidade de pessoas aflitas também estavam ali esperando por um atendimento.

Finalmente a voz antipática chamou meu nome. O tom demonstra uma certa revolta, um desgosto qualquer em estar trabalhando ali, e isso me preocupa. Deus me livre de fazer mal pra qualquer uma daquelas garotas. Tudo o que eu queria era fazer a porcaria do exame e continuar a minha vida normalmente.

E o fato mais grave daquela manhã de sangue fervendo, me fez refletir sobre os riscos que corro ao tentar abraçar o mundo com as pernas, tendo que me virar em várias para dar conta do que se apresenta diariamente nessa vida que Deus me deu. Sentindo-me a dona da razão, querendo sacrificar alguém pelo mal estar da longa espera, uma verdade me veio, assim, na minha cara, fazendo-me reconhecer que falhei.

Senhora, seu exame está marcado para amanhã, por isso não localizamos seu “horário marcado!”

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 09/08/2012
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