A BATALHA DO AEROPORTO

POR DENTRO DA REVOLUÇÃO DE 1964

A BATALHA DO AEROPORTO

Um outro caso acontecido, bem antes do “gran finale” da Revolução de 31 de março de 1964, quando ainda éramos recrutas mesmo, com pouco treinamento e vivência de quartel, houve um caso digno de nota, porque passei na caserna:

Engajara em janeiro de 1964, e era o dia 30 de março de 1964. Nem atingira ainda três meses de treinamento.

Estávamos "verdes" ainda para qualquer missão que se nos apresentasse, exceto uma missa grande, como aquelas do domingo de ramos.

Mas, voltando ao "causo", nesse dia, estava eu, recruta Clemente – 235, de serviço na guarda principal do Quartel General da 4ª RM. Por volta de 23:00 horas, começou a chegar pessoas. Não conhecia todos os oficiais e sargentos do QG, e parecia que todos haviam sido convocados para apresentação urgente.

A guarda inteira estava em efervecência. O Oficial-de-dia, um tenente muito burocrata, estava afobadíssimo, todo atarantado. Mandou que os soldados que pernoitavam no quartel, inclusive os plantões de banheiro e alojamento ficassem de sobreaviso e fardados.

Pelo meio da madrugada, com sentinelas rondando cada milímetro do quartel, armados e municiados, cada qual com seu mosquetão (parecia aqueles da Guerra do Paraguai), a notícia vazou.

O General Olímpio Mourão Filho, Comandante da 4ª Região Militar, estava encastelado no pavilhão principal, com todas as luzes acesas, em confabulações secretas com seu Estado Maior.

Soube-se, que o Presidente da República, João Belchior Arantes Goulart, o Jango, havia sido deposto, acusado de comunista.

Havia alguns quartéis, fiéis ao Presidente deposto, em várias regiões do Brasil, cujos oficiais estavam dispostos a defender o Presidente, e a maioria, como o nosso, perfilava-se ao lado dos que haviam apeado do poder "aquele comunista vermelhão".

Desde então, ninguém saiu mais do quartel. Foram 22 (vinte e dois) dias de prontidão. 21 dias para os demais, pois que eu estava de serviço quando da explosão da notícia da Revolução Constitucionalissima do Brasil.

A partir daquele dia, as missões externas se sucediam.

Tropa perfilada, soldados fardados prontos para a ação. Capacete de aço encaixado sobre o capacete de fibra normal (o pescoço até tombava para o lado - tinha que ficar firme para não dar vexame), cinto de guarnição com os bolsos carregados de munição, mosquetão brilhando na mão, éramos destinados até o centro da cidade, onde atuávamos, ora na sede da UNE ou UJES (sede dos estudantes) onde se apreendia impressos e outros "materiais subversivos", ora na agência dos Correios, onde passávamos dias, detendo os diretores confinados em uma sala contígua.

Todavia, num determinado dia, tropa, formada no pátio, nos foram entregues várias metralhadores ponto 50, com tripé, lança-rojões e várias caixas fechadas, de munição.

Saímos, talvez uns 50 soldados, alguns sargentos e oficiais, com todo esses apetrechos, em caminhões. Podia ser mais ou menos 05 horas da manhã. O dia raiava. A luminosidade ainda era meio lusco-fusco. Era bonito. O caminhão rodava e não sabíamos ainda qual seria nosso destino (e nem nos interessava), éramos soldados, iríamos onde quer que nos mandassem.

Éramos filhos da Pátria.

Aos poucos, percebemos nosso destino, o Aeroporto da Serrinha. Construído há pouco tempo, ainda estava novinho.

Chegando lá, descemos dos caminhões, colocamos o armamento no chão, junto com as munições, nos perfilamos e ficamos no aguardo das ordens. Estas vieram de imediato e em torvelinho:

- Dividir a tropa em cinco pontos. Uma fica de guarda no prédio central do Aeroporto. Outra na estrada de acesso, controlando os que porventura cheguem, afastando os curiosos.

As outras três turmas, assumir postos chaves na cabeceira do campo de pouso.

Num átimo, minha equipe estava correndo para seu posto de observação. Num barranco, abaixo do nível da pista, armou-se o tripé, instalou-se a metralhadora ponto50, colocou-se o carregador nela e dividiu-se o serviço. Um seria o atirador (esse um seria eu - considerado bom de tiro em duas instruções havidas anteriormente, lá na Remonta), outro o municiador e quatro outros os carregadores das caixas de "balas". Instalados "in loco", ficávamos quase invisíveis abaixo da linha da pista. Verificamos os outros pontos de tiro e os demais colegas que estavam em ponto de bala.

De repente, recebemos ordem de alerta máxima. Um avião roncava no céu. Deitamos todos, nos colamos no chão como camaleões, adaptando-nos ao terreno.

Aproximava-se para pouso uma aeronave. A alça e a massa de mira do cano da minha ponto 50 apontava para o avião, que começara a descer, em completa harmonia, como um grande pássaro.

O coração saltava no peito. A respiração ofegava. Ninguém trocava palavra. Só se ouvia o ronco do avião que descia.

O sargento mandara destravar a arma, manter o dedo no gatilho e aguardar ordem para disparar. A arma apontava agora para a porta do avião, já no chão. Era um DC-10. Ainda não descera nenhum tripulante, então “todos os dez ainda estavam lá dentro”.

Nosso comandante de campo, subiu as escadas do avião, e lá de cima, abriu os braços mandando relaxar. Era gente amiga.

Nervos retesados pela emoção, deixamo-nos desabar.

- Ufa, foi por pouco. Estava só aguardando ordem, e aquele avião virava coador de macarrão. Vangloriava-nos uns com os outros.

Em nosso posto de espreita, tudo estava à mão: armas municiadas, caixas de munições ao alcance, se necessário...

Passados aqueles momentos de alta tensão, recebemos ordens de verificar armas e munições.

O carregador da metralhadora.50 foi destacado dela, e, PASMEM, pela leveza, verificamos que estava vazio.

Na correria, não atentamos para esse "detalhe".

Vejam só: fosse um inimigo, com intenções bélicas, estaríamos fritos.

À ordem de "FOGO", puxaríamos o dedo, e..., nada. Ao passo que, do alto, os inimigos fariam um autêntico "tiro aos pombos". Seriam penas para todos os lados.

Corremos então à caixa de munições para conferi-la. Haviam alguns cartuchos vazios, em meio aos completos.

Fossemos obrigados a abrir fogo cerrado e nem posso imaginar quais seriam as conseqüências.

Mas, hoje, já decorridos mais de 40 (quarenta) anos, nem sei se alguém envolvido na "Ação de abril de 1964" no Aeroporto da Serrinha, se lembra do acontecido e do que poderia ter acontecido.

A Revolução foi ganha, quase sem derramamento de sangue, exceto, soube mais tarde, de um sargento, no Rio de Janeiro, que mobilizado com sua tropa, acidentou-se com um disparo acidental que atingiu seu pé.

Para nós, recrutas engajados há bem pouco, apesar dos "cagaços" como o descrito em linhas anteriores, foi uma experiência muito válida, e para alguns, uma verdadeira "festa".

Havia alguns soldados que entendiam de música, e tocavam violão, e nas horas de folga, faziam a rodinha e cantavam e compunham. Não sei bem como surgiu, mas, creio que de uma dessas noitadas de serestas. A música era emprestada daquela bem conhecida na época, BIGURRILHO, e a letra, inventada por sargentos e soldados da nossa Companhia do QGR/4ªRM.

Ouvida pelos oficiais, logo foi guindada às paradas de sucesso do quartel. Capitão Hudson, pequenino e boa praça, encantou-se com a música, e juntando vários soldados, cabos e sargentos, formou logo um coral, que até se apresentou na residência do General Comandante, Olímpio Mourão Filho, numa ocasião festiva de comemoração, onde Oficiais Generais e seus Staffs estavam presentes.

Se bem me lembro, era assim a letra:

" O Brasil tinha um Presidente,

Presidente chamado Goulart,

mas o povo se rebelou,

e tirou o Goulart do lugar.

Sou mineiro, então posso falar

eu também sei tirar vermelhão do lugar (bis)"

Dona Dadá, Dona Didi,

o vermelhão entrou aí,

ele tem que sair,

ele tem que sair. (bis)

Era um barato, ver a apresentação do coral.

Soldado Clemente – 235