Que assim seja...

Hoje é segunda, mais uma segunda a ser a primeira entre as feiras... Tantas outras passaram e tantas outras virão com ou sem minha presença. Como o sol e a lua estão, estiveram e estarão presentes testemunhando impassivelmente os passos da humanidade.

Hoje eu sei que o tempo é relativo, hoje eu sei que as lembranças vêm no toque, no tato, no gosto, na audição e no olfato. Vêm e tocam o coração independente dos segundos, do espaço, da distância.

Há dias minha realidade mudou novamente. Às vezes penso que algumas pessoas escolhem seus caminhos, outras não. Não há escolha quando nos deparamos com vidas precisando de cuidados, não há outro caminho a ser tomado a não ser oferecer nossas mãos.

Já havia me esquecido do cheiro das mamadeiras, do cheiro das fraldas a serem trocadas, dos horarios de sono, da preocupação com o silêncio enquanto adormece uma criança. Minhas crianças, meus filhos já há um bom tempo passaram dessa fase.

Mais ou menos há um ano foi me entregue uma sobrinha. Hoje com nove anos, está mais segura, mais firme para traçar seus próprio caminho ainda que tão jovem...

Dias atrás me deparei com um dilema, mais um dos meus tantos dilemas rodeados de sombras, de vozes e de palpites. Cuidar de minha outra sobrinha de dois anos, irmã dessa que já considero minha filha. Nesse tempo corrente a pequena esteve de mão em mão, de casa em casa sem que tivesse voz para dizer de si mesma, sem que pudesse dizer do que ocorria em seus verdes e tenros dias.

Não sei onde erramos, eu, minha mãe, meu pai, irmãos ao educar nossa caçula, talvez o excesso de proteção pra ela tenha sido um sinal de fraqueza nossa ou quem sabe até falta de amor. Quem sabe, quem sabe...

Mas cá estou eu a cuidar de suas duas filhas. Longe da mãe, as duas. Tão novinhas sem elos suficientemente fortes e saudáveis para que sintam a falta daquela que as concebeu. A distância física é grande, mais de quinhentos quilômetros, a distância afetiva é maior, é imesurável. Por mais que houvessem motivos e desculpas para tamanho desprendimento em relação às filhas, pergunto-me se de fato houve um minuto sequer de dúvida, de esforço para mudar essa realidade por parte dessa mãe, dessa minha irmã, dessa filha de meus pais, dessa mulher tão jovem ainda que pudesse ser considerado um ato de amor a entrega de duas vidas que se não fosse a mim, teria sido a terceiros, quartos, quintos, sem pesar as consequências. Sei que não...

E às vezes fico a divagar ao observá-las em seus mundinhos, fico a imaginar o que de fato sentem e pensam. Se é justo em tão tenra idade carregarem o peso do abandono ainda que camuflado de uma outra roupagem imposta pela mãe e pelos pais. Duas filhas, dois pais, uma mãe e a desculpa de não poderem cuidar...

Fico a refletir se nenhum dos nossos sentidos tocaria a carne e a alma desses pais, dessa mãe e os fizessem pensar nessas meninas com mais carinho, com mais amor. Esses nossos sentidos que em mim fazem voltar à infância de meus proprios filhos e colher com prazer esses outros pares de olhos e mãos que me buscam como se nunca tivessem sido de outra pessoa.

Talvez esteja sendo dura, talvez esteja pesando a mão nessas letras que deveriam ser uma crônica e soam mais com um desabafo. Mas meus olhos, esses de hoje se endurecem ao fitar a realidade e se enternecem ao ouvir: Titia, tia... Tia. E ao me deparar com duas mãozinhas pedindo a mamadeira e o colo, penso então que venham outras segundas, terças, quartas... Que venha o amor, que venha a rotina, tão amada rotina também para a vida dessa pequena.

Almma
Enviado por Almma em 13/08/2012
Reeditado em 13/08/2012
Código do texto: T3828015
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