Paranóia

Paranóia; não existia palavra que definisse melhor Renato, poderia ser seu nome do meio, ou aquelas alcunhas que nos perseguem ao longo da vida; mas o que cercou o pobre infeliz durante a vida foi a paranóia. Logo que nasceu negava se a mamar no peito da mãe imaginando que aquela jovem senhora mais tarde exigiria algo em troca que, (na sua cabeça de paranóico) estaria muito acima de seu alcance, ainda no berçário tinha certeza de que manter-se quieto era vital naquele momento, uma vez que os bebês mais escandalosos logo eram levados dali, (provavelmente para uma sala que continha luzes fortes e aparelhos estranhos, de onde lembrava ter passado em algum momento, na sua cabeça paranóica).

Na escola, tinha certeza que só estava naquele lugar porque seus pais não suportavam mais esconder a verdade; quando o pai dizia:-"Renatinho, todo mundo estuda, aprende e fica importante um dia!" na realidade queria dizer:-" Moleque, você já tá sabendo demais. Vai gastar tempo na escola que você desencana!", mas foi aí que o pequeno Renatinho encucou de vez. Ele concluiu que sua coleguinha de turma era uma anã fugida de Marrakesh, que o zelador era o Enéas enrustido e que a professora de literatura tinha pêlos enormes nas costas (na verdade a professora realmente foi flagrada no banheiro por um aluno tarado que espalhou o boato) mas ele sabia que o pior estaria por vir.

Quando fez 15 anos ganhou de presente uma conta no banco que sua mãe dizia ser para as despesas da faculdade; sentiu um calafrio, não com a importância do presente, mas a mãe pronunciou a sentença tão alto que teve certeza que o vizinho mafioso, homicida e necrófilo tinha ouvido, agora só restava redobrar a atenção com aquele sujeito mal-encarado que guardava sucata no quintal. Afinal que ser humano em estado sadio guardaria grandes barras de ferro em casa se não fosse um malfeitor?

Com o passar do tempo Renato viu-se poupado de inúmeras situações insólitas: não foi ao show do Barão Vermelho porque sabia que seu braço quebraria quando passasse a catraca da bilheteria, não casou com a Raquel porque o pai dela administrava uma empresa de fibra de vidro, e ele sabia que iria falir a qualquer momento, então além de mulher e filhos, sustentaria um sogro que ele sabia que era integrante da AlQaeda e por fim não compareceu a mais nenhuma reunião de família após descobrir que o Mocotó da tia Sofia era feito de carne de São Bernardo.

Contudo, Renato viveu feliz, e quando viu-se no leito de morte (que na verdade era uma praga dum vizinho que ele sabia que odiava o barulho do portão automático da sua casa e, diga-se de passagem só reproduzia tal ruído quando o próprio Renato acionava o tal portão), não perdeu tempo, preparou um cronograma porque sabia que São Pedro não tinha tarefa alguma para distrair os aguardantes ao reino dos céus, tampouco o próprio demo que Renato diz ter visto três vezes na juventude atrás duma àrvore que já existia na alameda antes mesmo dele nascer. Ao que o médico abre a porta da U.T.I. e anuncia aos poucos parentes:

"-Infelizmente, foi desta pra melhor." o motivo? Complicações no sistema nervoso...