COISAS DE EX-GORDINHA

“Além de bonita, muito simpática!”.... Não, o certo é: “Além de muito simpática, bonita”.

Até os meus 15 anos eu estava longe de ser exaltada pela minha beleza, digamos, “exterior”. Era bem alta e bem gordinha, para não falar gorda. Palavra pesada. Mas desde novinha eu tinha uma característica forte, que era um referencial meu e me dava acesso a muitas amizades. Eu era simpática!

Eu era extremamente tímida, porque eu tinha noção de que ser gordinha (ou gorda) é um bom motivo para ser regulada o tempo todo... Ainda mais com o meu único irmão, apenas 11 meses mais velho, e que já havia deixado de ser gordinho há um bom tempo, me xingando “sua Gorda”, e claro, muitas vezes em coro com os meninos da rua, que sempre me viram como mais um menino e não como uma menina. Nem nome eu tinha...Ou me chamavam “a irmão do João” ou “sua Gorda” mesmo.

Esse meu perfil físico, somado ao meu temperamento forte, porém bem-humorado, me tornou uma “maria-moleque”. Eu brincava de taco, polícia e ladrão, saia na mão com os meninos, principalmente pra defender meu irmão, e por ser uma das únicas meninas da rua, eu escutava os papos de moleque desde pequena.

Por mais inconveniente que eu pudesse ser (e eu não me importava nem um pouco se era) eu queria andar grudada com meu irmão. Éramos muito amigos, mas o maior motivo para estar por perto, era assegurar-me de que ele estava bem. Eu observava tudo, minha mãe diz que muitas vezes me pegou repetindo gestos de pessoas, como se eu tentasse compreendê-las. E por observar muito, sabia que meu irmão não tinha medo do perigo.

Eu deixava de brincar com o que eu gostava para estar com ele, com isso, aprendi a gostar do que ele gostava, aprendi a gostar dos amigos dele, das brincadeiras deles e até mesmo de ver o mundo como um moleque.

Com eles, eu era briguenta, com as outras pessoas eu era simpática, meiga e fácil de lidar. Diversas vezes eu ouvia “ah que rosto lindo, pena que é gordinha”... É, criança feia de rosto, porém, magra, sofre pouco, talvez pela proporção. Um corpo gordo é maior do que uma cabeça feia. Enfim, embora eu tivesse essa noção da minha realidade, não me incomodava muito. Pois as pessoas gostavam de mim, e eu sabia cultivar o que de melhor existia para que continuassem gostando.

Eu adorava comer, principalmente coisas engordativas, não estava disposta a abrir mão deste prazer por nada, e quanto aos meninos, era difícil eu me apaixonar pelos que me rodeavam, pois eu via o lado mais podre deles, por isso, minhas paixões eram platônicas.

Mas... Um dia tudo mudou, eu entrei no colégio, 15 anos, comecei a ampliar meu círculo de amizades e percebi que para ficar com alguém, a atração envolve coisas mais superficiais e óbvias, além da simpatia... Fiz regime e emagreci em 6 meses. Perdi 16 kg.

E então o mundo mudou para mim também, as pessoas sorriam e chegavam até mim sem que eu precisasse fazer esforço em ser simpática ou buscar acesso, pelo contrário, elas o buscavam para chegar a mim.

Para os amigos do meu irmão eu virei “a irmão do João tá gostosa” mas não mudou muita coisa na nossa relação, apenas... Eles gostariam de me “comer”. Meu irmão odiou, porque eu e ele estávamos mais grudados do que nunca, ele havia repetido o ano e estudamos os 3 anos do colegial na mesma classe.

Arrumei um namorado que já estava na faculdade e era da equipe de basquete. Fiquei até mais conhecida no colégio, e no último ano da escola já estava namorando outro, que era da equipe de natação. Com este fiquei até o meu primeiro ano de faculdade, mas terminamos quando já tínhamos quase 3 anos e meio de namoro. Um dos nossos maiores problemas era a insegurança dele, expressava em ciúme doentio e em momentos desagradáveis, porque se eu não podia fazer determinadas coisas por causa de ciúme, ele tmabém não, e percebi que eu estava ficando tão doente quanto ele.

Desde que eu havia emagrecido eu trabalhava com eventos, e no primeiro ano da faculdade fui miss da universidade. E aí... Aí pesou... A aparência pesou a antipatia de alguns, e pesou cobrança.

Uma vez magra, basta engordar 3 Kg que você sabe que todos notaram, ainda mais para uma ex-gorda. Imagine, já havia mais de 5 anos que eu estava magra, mas nunca pude relaxar, tenho tendência... Não a engordar por engordar...mas a preguiça e a comilança excessiva de doces.

Hoje, com 22 anos, tornei-me conhecedora do lado mais podre masculino em relação as mulheres, eu vejo os bastidores, descaradamente, tornei-me também objeto de assédio deste lado podre. E por ter cultivado a minha essência desde nova, justamente por não poder me vangloriar muito pela aparência, eu tornei-me uma pessoa bonita e simpática.

Mas sei que a beleza é tão efêmera e superficial quanto as pessoas que se aproximam de mim somente por este motivo, e a minha essência, o bom-humor, a simpatia e quem eu realmente sou é que vai me tornar uma mulher rodeada de pessoas com fortes laços comigo.

Mesmo sabendo disso, ser bonita tem lá o seu lado sedutor, e me sinto escrava de mim mesma nesta cobrança. Por este tormento, desejo chegar a um ponto de equilíbrio. Reduzir a aparência a algo de menos importância... Reduzi-la a isca, a minha isca, apenas.

Me sinto magra com alma de gorda.