As últimas palavras

“Dá pra tirar esse padre daqui”? Seriam minhas últimas palavras caso eu venha a ter a infelicidade de estar lúcido à beira da morte, cercado por estranhos ou apenas pajeado por uns poucos conhecidos. Imagino o leito do futuro cadáver na penumbra do quarto sombrio, uma vela cuja chama tremelica tão-somente ao correr da brisa sepulcral, minha silhueta agonizante refletida na parede suja, eu suando, delirando, curtindo meus últimos estertores à mercê da dor e da humilhação diante à derrota perante a morte. Enfim, algo dramático desse jeito, ainda não parei pra pensar direito a respeito. Separei algumas últimas palavras, que não sei ou não lembro de onde vieram e que guardei morbidamente. Vejam só como ainda devo refletir sobremaneira acerca de derradeiro suspiro na terra:

Victor Hugo: “Este é o combate do dia e da noite.”

Tolstoi: ”Amo a verdade...muito.”

Kant: ”Basta.”

Anatole France: “Mamãe, mamãe.”

Henri Heine: ”Estou perdido.”

George Bernanos: “A nós dois.”

Chateaubriand: “Amo porquinhos, comeremos porquinhos.”

Romeu: ”Então, com um beijo, eu morro.”

Clarice Lispector, alguns dias antes de morrer, dirigindo-se ao médico: “O senhor matou a minha personagem.”

Goethe: ”Luz, mais luz!”

Hum. Suicidas escrevem suas últimas palavras, mas pecam pela prolixidade ou por excesso de pragmatismo quanto à descrição da própria decisão de dar cabo de si mesmo. Afinal de contas, um bilhete de despedida de um suicida é documento preciosíssimo, algo que diz respeito ao estado de espírito do já cadáver. Quando já não estiver entre nós, mesmo sendo insignificante a pessoa ou a carta, ou ainda ambos, não há dúvida sobre o valor das últimas linhas de pensamento do ente abnegado que de bom grado nos furtou de sua presença.

Nem sei onde quero chegar. Já disse que não penso em me matar, falta coragem ou sobra inteligência, ainda estou decidindo. Certa vez vi uma foto na internet, daquelas de contexto duvidoso e idoneidade idem (cacófato?), de um sujeito com a boca completamente estourada, a língua pendurada, a mandíbula inexistente arcada superior zero. Dizia a legenda que o camarada havia tentado o suicídio estourando os miolos, apontando a arma para o céu da boca. Mas a bala assassina estava velha e estourou tão logo saiu do cano do revólver. Conclusão: um morto-vivo de aspecto bizarro, sofrendo horrores pela quase-morte, talvez sem peito pra tentar de novo, mas mais desesperado que nunca para fazer a dor parar. Já vi a mesma foto sendo usada para uma estória diferente, mas de qualquer forma ela fica como aviso, como os da Souza Cruz, contra a prática do suicídio. É preciso muita certeza ou ser uma pessoa impulsiva, quem sabe os dois, para decidir os limites da própria vida. Mas divaguei, esqueçam.

“Ninguém...me chama...de franguinho”! Gostaria de dizer isso na hora negra, ou então “Beam me up, Scotty” – isso eu sempre quis dizer, algo clichê do tipo “siga aquele táxi”. Bem, esse último não dá pra dizer no leito morumbático, mas já anotei aqui minha própria sugestão.

Vão pensando também no que dirão para posteridade. Depois não digam que não avisei.

Marlon Magno
Enviado por Marlon Magno em 16/02/2007
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