A prostituta e o Filho do Rei

Diante do pedaço de bronze polido, ela esfuma os olhos e passa a pasta vermelha nos lábios. Solta a vasta cabeleira e amarra as sandálias de tiras.

Mira a figura que o espelho devolve e sabe-se bela. Aquilo não importa muito, ela precisa trabalhar e os olhos duros daqueles homens encharcados de vinho nada vêm de sua beleza ou de suas dores. Ela é mercadoria e imagina se há algo melhor que aquilo

Ouviu dizer não sabe onde, de um grande rei que virá. Ele é filho de um deus, embora ela não saiba de qual.

Há tantos deuses e tantos ritos a cumprir. Nenhum deles deu-lhe o que ela deseja, mas lá no fundo de seu coração, ela pensa naquele que, sendo um filho de um deus, também será rei. Foi um de seus clientes que falou desse deus-rei estrangeiro.

Pára absorta naquele devaneio, mas o barulho lá fora no salão a devolve à realidade. Aquela história não é nada pra ela, por isso sacode os cabelos e tenta tirar aquilo da cabeça, afinal os deuses não se importam com ela e, à porta de suas tendas, requerem dela, o mesmo que ela faz ali por dinheiro, recebendo aqueles homens abrutalhados.

Sai do quarto e encaminha-se a passos firmes meneando os quadris, enquanto os assobios sobem de tom. Mais uma noite de sua vida com tantas nos últimos anos.

Entram cinco estrangeiros, olhados com hostilidade pelos homens da terra.

Não sabe porque seu coração dá um salto.

Continua seu ofício. Mais tarde um daqueles homens a convida, e ao adentrar o quarto com ele, espanta-se quando ele, em vez de mandá-la se despir e pular nela como todos os outros, pergunta-lhe com inequívovo sotaque hebraico onde ela poderia esconder seus amigos.

Ela se espanta, abre a boca sem saber o que dizer, mas lembra-se que a historia que ouvira de um cliente bêbado sobre aquele deus-rei, era desse estranho povo nômade e belicoso. Fecha a boca e sem nem perceber, imita o ar furtivo dele, apontando pra o eirado sobre seu quarto.

Ao sair do quarto, não entende o que fez, mas sente uma estranha mistura de expectativa com alegria que ela não sabe de onde vem.

Esconde os homens que prometem livrá-la e a sua família em troca desse refúgio. Ela não entende bem do que eles falam, mas sabe intuitivamente que eles são súditos daquele rei-deus, seja lá o que isso signifique.

...

Séculos depois, essa mulher é citada na genealogia do deus-rei. Raabe, a prostituta na família de Jesus.

YARA FRANÇA
Enviado por YARA FRANÇA em 17/08/2012
Reeditado em 17/08/2012
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