PRIMEIRO DIA DE TRABALHO EM UM CENTRO DE INTERNAÇÃO PARA MENOR INFRATOR

Há alguns anos, quando recebi o convite para administrar um Centro de Internação para Jovens Infratores me subiu um friozinho no peito, parte receio e parte vontade de abraçar o desafio. Passei a noite toda analisando o pedido, medindo os prós e contras e me fazendo mil e umas perguntas. Passei parte de minha carreira enfiada em setores de contabilidades com planilhas e mais planilhas financeiras, folhas de pagamentos e serviços de pessoal. Então o que faria ali naquele prédio de cor ‘cinzenta’ cujo meu entrosamento só se dava quando passava pela rua em frente?
Na verdade ninguém queria assumir aquele posto na instituição. Todos tinham medo por conta das inúmeras rebeliões já acontecidas. Eu já estava exercendo minhas funções na Fundação há um belo tempo e nunca tinha tido interesse em adentrar naquele anexo que internava os ‘meninos travessos’. Mas não era por medo, era puro desinteresse e até mesmo rejeição pela clientela.
Mas, diante daquele convite, um capetinha aventureiro ficou o tempo todo a cutucar, me instigando a aceitar o trabalho e de tanto espinhar acabou me levando a aceitar o dito encargo. A aflição dos diretores e corpo técnico por encontrar alguém era tão grande que logo me intimaram – Amanhã mesmo comece. Sem administrador no Centro tudo por lá está um caos – Não sei por que aquela pequena palavra de quatro letras me levou a estremecer e se fixou no meu subconsciente como uma estampa; ‘caos’.
A família totalmente contrária a minha decisão não cansava de querer me fazer voltar atrás, mas já havia tomado a decisão e também dado a palavra aos dirigentes do centro. Então me enfiei num terninho leve numa cor rosa clarinho e me dirigi ao campo de batalha.
O primeiro impacto não foi chegar à recepção, que para chegar até ela primeiro tive que apresentar minhas credenciais ao policial, esperar que ele abrisse a trava de segurança da grade que isolava o mundo lá fora, foi ter sido conduzida a uma salinha para ser revistada – desculpe-me senhora – disse-me um policial feminino – As regras do centro têm que ser cumpridas! – e assim me deixei revistar sabendo da necessidade de provar minha idoneidade, mas constrangida por passar por aquela situação.
Fui apresentada à Coordenadora do Centro, que não me era tão estranha, pois sempre a via passar pelos corredores da Fundação, quando não, adentrava no Setorial de Pessoal em busca de algum documento ou informação. Boas vindas para cá, cumprimentos ali e me informou: - Acomode-se em sua sala e respire, daqui a pouco farei sua apresentação aos internos – e aproveitou para me informar que eram 120 ao todo (todos do sexo masculino). Achei até pouco, imaginei que havia muito mais e ela logo me fez arrefecer – Sim, não têm muitos, porém tem alguns que valem por mil. Agora eles estão em oficinas e também no campinho de futebol. Quando der à hora do lanche lhe apresentarei - Fiquei ansiosa e com medo, mas também com aquela vontade de que tudo logo acabasse. Era como um período de gravidez quando vem à hora do parto, sabemos da dor, mas urge o desejo de acabar com o cansaço.
Enfim, o grande momento chegou. Tive que passar por quatro grades até chegar ao salão do lanche. Então os vi. Estavam todos sentados, apesar de já terem lanchado. Por dentro eu estava tensa que nem corda de violino, mas deixei estampado no rosto um sorriso e olhar calmo, sem demonstrar que no fundo eu estava morrendo de medo. Fui apresentada um a um. Uns tinham rostos acolhedores e alegres. Outros tantos ameaçadores, como a dizer “Não deveria ter vindo pra cá!” Mas os piores dos olhares foram aqueles que não diziam nada. Frios, analisadores e inteligentes. Procurei olhar nos olhos de cada um, sem demonstrar receios, sem por um minuto abaixar os meus. Mas foram os olhares mudos que me fizeram estremecer.
Ato feito, o corpo técnico se reuniu comigo e fizeram uma explanação de todas as necessidades mais urgentes que o Centro precisava, e junto com elas as regras e normas: Não poder se envolver emocionalmente com o interno; nunca oferecer presentinhos, caso os mesmos pedissem; sempre vir de calça; saias e vestidos instigavam a libido dos adolescentes; se maquiar o mínimo possível, tinha adolescentes homossexuais que tinham ciúmes dos ‘parceiros’; sempre que fosse adentrar nos alojamentos, se fazer acompanhar por um ou dois monitores.
Neste ponto nasceu à pergunta se haveria a necessidade de adentrar nas celas, no que fui repreendida – Cela não, aqui não há celas e sim alojamentos! – A repreensão foi tão intensa que quase me senti como um dos ‘presidiários’. Logo também esta palavra foi corrigida quando deixei escapuli que fiquei um tanto receosa com eles (os presidiários) – Você não poderá usar essa expressão aqui. Quando quiser denominá-los você poderá chamar os ‘meninos’ de internos ou sócios – educando.
Aquelas pessoas que faziam parte do corpo técnico do Centro eram sociólogos, assistentes sociais, psicólogos e tinham até alguns com especialidade em “especialistas em educação”. Quando eu os encontrava lá fora, em outros setoriais da Fundação, não pareciam tão frios. Ali eles pareciam soldados marchando para guerra, cercando e invadindo cidades e trucidando tudo, sem querer saber se havia inocentes na batalha.
Dei uma arrumadinha na sala da administração com o pensamento de no outro dia entregar o cargo, aquele já estava terminando e minha intenção era de não retornar mais ali.
O outro dia chegou e me vi rumando naquela direção. Não iria desistir. 
 
 

 

 
MarySSantos
Enviado por MarySSantos em 30/08/2012
Reeditado em 05/09/2012
Código do texto: T3856962
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