O iaque de Djibuti (parte 1)

Olá, você certamente não me conhece, mas preferi começar assim por medida de educação. Minha formação foi muito rígida e minha mãe (uma mulher com vida relativamente ativa na sociedade local) sempre primou pela educação e bons modos, e eu sempre fui um bom filho, bom aluno, bom servidor e patriota, na verdade não há nada de interessante que eu possa citar sobre mim, sou apenas um iaque nascido em Djibuti num hospital como qualquer outro. Na verdade o cirurgião responsável pelo meu parto caiu duro após deparar-se com minha figura, disseram que ele ficaria bem e que o hospital custearia suas sessões de psiquiatria e uma possível internação na casa de recuperação Napoleão feliz.

Minha infância foi tranquila, com todo amor que alguém poderia receber, através do meu quarto forrado de feno e um belo coxo eu me sentia confortável, meu pai me iniciava nas atividades esportivas, com ele aprendi hipismo, cricket (com ele montado em cima é claro), mas minha paixão era mesmo o futebol. Jurava que um dia ainda aprenderia aquele esporte fantástico, meu pai dizia que era violento demais para mim, principalmente se meus chifres furassem a bola e o dono da mesma fosse campeão de vale-tudo ou coisa assim. Apenas não entendia o porque de todos sentirem certa repulsa dos meus hábitos, certa vez em uma reunião de família, tia Carmem quase enfartou ao sentar ao meu lado na mesa de jantar, imaginei que meus talheres não estivessem de forma correta junto ao prato, que descuido da minha parte.

Meus primeiros contatos fora do universo familiar aconteceram na escola, que tempos aqueles. No primeiro dia eu estava radiante, meus pais apresentavam-se bastante apreensivos, com razão afinal, um filho pela primeira vez longe do ambiente do lar deve ser uma situação calamitante para iniciados. Ao chegar no recinto fomos recebidos por dona Mirtes que com certeza sofria de complicações no sistema respiratório pois, no momento da minha chegada ela perdeu o ar desequilibrou-se e estatelou-se no piso, recuperada meia hora depois , ela me encaminhou até minha sala, na entrada madame Mirtes anunciava com voz trêmula:

-Professora, este é o novo... aluno.

Professora Janete expressou umas cinco sensações em sua face rosada (inclusive uma que eu desconhecia até então), a classe fez um ar de espanto por uns minutos e depois, explodiu em risos. Certamente por conta de um lenço que eu trazia envolto no pescoço, de cor grená. Depois daquele dia jurei que não usaria mais tal acessório.

Na faculdade estava indeciso a respeito de que disciplina eu seguiria, optei por administração, tinha mais a ver com minha personalidade, foi quando descobri que participando da equipe de atletismo eu concorreria a uma bolsa integral de estudos, então enchi o peito de coragem e fui arriscar uma vaga no grupo e confesso que achei que não seria fácil, os meus concorrentes eram distintos esportistas, no entanto um fato curioso aconteceu quando eu adentrei o ginásio, os demais foram debandando como se tivessem visto o próprio satanás diante deles, concluí que era uma camisa do "Kreator" que me deixava com ar sombrio, mas era a única peça do meu vestuário que eu usava pra esportes, mesmo assim decidi não mais usar aquela roupa. Como eu fui o único candidato naquela tarde a vaga consequentemente ficou comigo.

Hoje eu sou um auxiliar de setor administrativo com vida pacata e minha própria divisória na extensão mais deslocada do departamento, melhor assim, gosto de sossego, só fica chato me enturmar pra marcar um "happy hour", também pudera. Longe de todo o resto da firma...