CONTO DE UM TAXISTA

Era apenas mais um dia de trabalho, onde a incerteza e a liberdade de ir e vir para qualquer lugar da cidade eram atrativos a deixar para trás a rotina do escritório, em que fiquei durante alguns anos. A noite foi chegando e uma parada rápida na lanchonete do Alfonsim para recarregar as baterias se fazia necessário. O sanduba foi devorado com gulodice, acompanhado de goles generosos do refrigerante de sempre. Putz... Poderia ser um suco.

Os clientes, ávidos para chegar em algum lugar naquela noite de sexta, decerto para aproveitar o happy hour na companhia dos amigos e das louras(geladas) ou quem sabe em momentos de rara inspiração, se encaminhar com rapidez para os braços da amada de tantos anos; procuravam pelo serviço de táxi. Corpo reabastecido e já estava pronto novamente para a batalha. Era um desafio para mim aquela jornada de trabalho tão intensa. A mudança foi brusca.

Depois de um corre muito grande, lá pelas tantas as pernas já estavam no bagaço. Até o sangue estava com preguiça de circular pelo corpo. Já passava das onze quando retornando da corrida que eu achava que havia sido a ”ideira” daquele dia/noite agitados, um cliente com duas crianças menores acenou com um certo "aperreio".

Estava de paletó e os guris de camisas que aparentavam ser brancas na sua cor original. Olhei para o outro lado da avenida e vi a muvuca na saída do buffet. Baixei o vidro e o sujeito veio acertar a corrida; ou por não confiar no taxímetro ou nos trocados derradeiros do bolso. O cliente morava para os lados de minha casa. Sorte grande, eu pensei.

Acertado os pormenores, o cidadão abriu a porta traseira e para meu espanto e incredulidade deu um assovio forte e chamou o resto da família. Lembro de ter ouvido só os gritos dos pequenos em desabalada carreira em direção ao veículo. Por instantes veio em meu subconsciente aqueles filmes, onde os índios partiam céleres em direção ao forte com seus gritos intimidadores e o velho Daniel Boone com sua paciência e inteligência conseguindo controlar sua fúria ante o ataque. Eu precisaria mais do que calma e inteligência para dar conta daquela tropa. A suspensão do carro sentiu o baque. A cumade e a reca se aquietaram do jeito que dava no banco traseiro, enquanto o patriarca dava conta do mais novo no banco do carona.

Eu ainda estava em estado de choque e sem nenhuma reação quando passei a primeira e meu velho carro foi se arrastando rumo ao destino. Um buraco aqui e outro ali e aquela massa humana se ajeitando como dava. Um dos guris ficou estrategicamente colocado entre os dois bancos da frente, com os pés quase em cima do freio de mão. Em uma rápida olhada ainda pude perceber os restos de uma cobertura de bolo a escapar milagrosamente da sua fúria infantil pelo manjar. Acho que era cobertura de chantilly. Para sobrar tanto nos beiços a coisa tinha sido séria.

Uma cratera mais profunda denunciou pelo barulho que a prataria e os cristais do buffet iam mudar de endereço. A mercadoria não era perecível, mas necessitava de cuidados de minha parte. A molecada estava fazendo o traslado das quinquilharias na moral. Na camisa, na bermuda, na cueca... enfim. Era uma farra. Se a audição não me falha, até umas xícaras iam pelo caminho. O pai e a mãe decerto não estavam a par de tamanha traquinagem. Huumm...

Chegando ao destino, após conduzir o carro na ponta dos dedos -lembrei do Sena - a tropa desceu para alívio do corsa e do meu bolso. Um prejuízo de molas naquela altura do campeonato ia deixar a féria abalada. A praia do domingo já estava prometida para minha filhota. Tinha de rolar umas postas de peixe. Frango, era coisa do passado.

O pagamento foi realizado rapidamente. Acho que o coroa percebeu meus cuidados na direção para a prataria chegar intacta em casa. Nem me olhou direito. O time de futsal com reserva, treinador, comissão técnica e tudo, desceu. Até hoje não lembro quantos formavam o elenco. Como faz falta uma tv. Ou seriam contraceptivos. Ou uma camisinha. Coito interrompido talvez... O pessoal do buffet agradeceria. Meu carro também.