:::: Mas ele tem os olhos verdes ::::

O dia era estranho, como sempre são os dias em que eu mudo minha rota. E a rotina vira do avesso. Sem aula, sem uma alma viva para conversar. Silêncio, contei meus passos a medida que caminhava pela escuridão da universidade, alguns postes retorcidos iluminavam com uma certa luz amarelada, quase desbotada, o breve caminho que percorri até uma parte mais distante. E a lua era nova, estranhamente nova. E escura.

E tinham nuvens esbranquiçadas cobrindo grande parte das estrelas, que mal davam o ar da graça. Os fones no ouvido reproduziam uma música latina que me fazia recordar muitas coisas, algumas terríveis, outras adocicadas. O tipo de música que te deixa em níveis desconexos e transitórios de emotividade. Cheguei a um lugar que quase nunca ia, aconcheguei-me no banco de pedra sabão, grande e espaçoso, e cruzei as pernas. Tirei meu exemplar de "Anjos: os mensageiros misteriosos" e comecei a folheá-lo, sem muito entusiasmo. Ora ou outra levantava os olhos para alguém que passava por ali, correndo, sem prestar atenção na garota com o livro aberto em frente ao rosto.

Passei os olhos pelas folhas amareladas, era só mais um livro de perguntas e respostas sobre anjos. Confesso, sou apaixonada por esses seres e naquele livro tinham coisas bem interessantes. Depois de poucos minutos, decidi por enfiá-lo novamente na bolsa que estava em meu colo. Continuei com a música, passando de hip hop italiano para o sopro doce que é a voz da Carla Bruni, um misto de palavras francesas picantes, mas adoráveis.

Estava totalmente envolvida com a música, que mal notei que tinha um rapaz na minha frente. Com um estilo "rockeiro incompreendido", perguntou algo que eu não ouvi direito por causa dos fones altos. A pergunta era sobre poder me conhecer melhor. Dei espaço no banco para ele se sentar, não estava a fim de uma empreitada amorosa uma hora daquelas, mas fiquei interessada em uma conversa casual. Ele me perguntou sobre tudo, algo sobre o curso que eu fazia, sobre eu gostar de ler e escrever e sobre me achar interessante ao passar por ali. Disse que nunca tinha feito aquele caminho antes e que estava na cidade para estudar, morava longe, mato grosso.

Depois de muito papear, ele ficou me olhando por um tempo. Ele tinha os olhos verdes, quase não dava para perceber, só quando a luz da lâmpada entrava em contato com eles. Tinha cabelo preto, pele clara e um sorriso simpático. Ele era bonito, sem exageros, apenas bonito. Eu havia gostado dele, até que ele me pediu um beijo. Fui categórica. "Eu só te conheço a cinco minutos". Ele sorriu. "Desculpa, mas você é bonita." Sorri também. Ele se desculpou e me deu um beijo na bochecha. Foi andando até desaparecer da minha vista.

Foi o tipo de conversa casual mais estranha que eu já tive, mas lembrando de seu sorriso: eu havia gostado dele. Pena que eu conheci só cinco minutos de sua vida.

Senão, eu talvez o tivesse beijado. Ou quem sabe, não o beijei por outro motivo.

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 15/09/2012
Reeditado em 15/09/2012
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