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Sem lenço, sem documento. (EC)

 
Sem lenço , sem documento são expressões de um verso da canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso,um dos marcos do movimento Tropicalista de 1967. É também o nome de uma novela da Rede Globo,(1977/8) e  o sonho utópico de muitas pessoas que acreditam que possam viver assim, sair pelo mundo sem lenço nem documento, a verdadeira imagem da liberdade. Nada nos bolsos e nada nas mãos, como escrevera Jean- Paul Sartre em seu livro As Palavras, que eu nunca li, mas que Caetano certamente leu porque copiou a ideia.

Vontade de sair por aí sem nada nos bolsos ou nas mãos eu nunca tive. Pelo contrário, bem próxima de uma síndrome do pânico, quando eu viajava sozinha sem lenço, mas com documentos eu escrevia meu nome e endereço e os telefones das pessoas em quem eu  confiava e que estivessem por perto e os distribuía por vários lugares tais como bolsas e bolsos.

Há algum tempo li um romance da norte americana Anne Tyller, chamado A Escada dos Anos, que conta a história de uma mulher que simplesmente resolveu desaparecer. Estava na praia, de maiô e com uma saia cafona (imaginação minha, pensando na saia que acabei de tirar) mais uma bolsa com quinhentos dólares. Pega uma carona e vai parar em um lugarejo onde se estabelece, tendo comprado apenas uma muda de roupa e arrumado emprego que  lhe garantia a subsistência.  A família acionou a Polícia, mas as buscas ficaram difíceis porque ninguém, nem o marido, nem os filhos e nem as irmãs, intrometidas como as minhas, conseguiram dar uma descrição coerente dela: não sabiam a cor de seus , olhos, o  tipo de roupa que costumava usar, a cor que usava nos cabelos. Uma verdadeira mulher invisível e acho que é isso que tenho medo de descobrir que sou e ver minha utopia se transformar em distopia.

E é isso o que acontece com a maioria das pessoas que desaparece  sem lenço e sem documento – quase nunca são elas que resolvem tomar o controle da própria vida e  lhe dar um novo rumo. São obrigadas a isso ou desaparecem por distúrbios mentais e acabam esquecidas em algum lugar imundo qualquer onde foram parar sem saber quem são nem de onde vieram.

Este texto faz parte do Exercício Criativo Sem Lenço, sem Documento. Abaixo o link para a leitura dos outros textos.
http://encantodasletras.50webs.com/semlenco.htm