Uma Paixão na minha vida


Em minhas garimpagens pelas livrarias, encontrei um tesouro. Ainda no terceiro capítulo, já tenho certeza de que é um dos melhores livros que comprei: Como Viver Sara Bakewell – Ed Objetiva.

Certa vez comprei uma coleção de livros de Filosofia. Dentre tantos u
m livro me encantou e tornou-se a minha referência como livro de cabeceira: Os Ensaios, de Montaigne. Eu o li como se fosse a primeira pessoa a lê-lo no mundo. Como se o tivesse descoberto. E o releio sempre, uma página aqui e outra ali. Releio Montaigne e a mim mesma, já que o livro está repleto de anotações. E faço outras. Mas nunca tinha ficado bem claro para mim a razão desse encantamento. Até agora, lendo Como Viver.

Como Viver é uma biografia de Montaigne escrita de forma altamente criativa e diferente. Uma pergunta: Como viver? Em vinte tentativas de respostas a autora constrói um painel da vida do filósofo, o painel de uma época. E de cara descobri a razão do meu fascínio: é como ele que eu gostaria de escrever. E é isso que venho tentando desde que escrevi a minha primeira crônica. Só que não tinha atinado com isso. Foi preciso que Sarah Bakewell jogasse em minha cara, como quem joga um copo de água em uma pessoa parcialmente adormecida para acordá-la.

No primeiro capítulo, ainda não teremos a primeira tentativa de resposta. Nesse capítulo a autora nos dá uma visão geral do modo como o filósofo escreve e vive. E em uma comparação ousada, ela fala sobre o mundo internético onde as pessoas (nós) falam de si próprias, revelando para o mundo o que as torna diferentes e compartilhando com todos, a experiência de ser humano. Vou copiar (resumindo) aqui um pequeno trecho: Esta ideia – escrever a nosso próprio respeito para criar um espelho no qual outras pessoas reconheçam a própria humanidade – não existiu sempre.Teve de ser inventada.E ao contrário de muitas invenções culturais , pode ser atribuída a um único indivíduo: Michel Eyquem de Montaigne (...). E foi isso que me encantou – eu lia Montaigne e me via ali, como um ser humano, apesar da distância a nos separar ser de mais de quatrocentos anos.

Foi Leon Tolstoi quem disse: se queres ser Universal começa por pintar a sua aldeia. Poderia ter dito: comece a escrever sobre sua aldeia. E mais ainda: comece a escrever sobre si mesmo, de maneira investigativa, porque quando conseguires compreender a si mesmo, compreenderá também a humanidade.

Os seres humanos, mesmo os poucos que vivem vidas esplendorosas, sentem as mesmas angústias. Todos temos medo da Morte, todos sentimos quando perdemos um ente querido, temos vitórias e fracassos, vencemos e perdemos. Montaigne se interessava por essas situações e as pesquisava na própria vida, observando a vida dos que o cercavam e também lendo muito. E escrevia sobre o assunto de forma prática, concreta, não abstrata.

Não posso negar certa decepção, embora bem acompanhada. Eu que pensava ter um contato especial com esse filósofo, descubro que gente muito competente também achava a sua relação especial. Bernard Levin, jornalista do The Times escreveu um artigo dizendo:Duvido que qualquer leitor de Montaigne deixe de botar o livro de lado (...) para se perguntar: “Como é que ele sabia tudo isso a meu respeito?” E isso foi na em 1991. Blaise Pascal (séc. XVII) escreveu: Não é em Montaigne, mas em mim mesmo, que encontro ali tudo o que vejo”. Tabourot des Accords, que eu não tenho a menor ideia de quem tenha sido, a não ser que viveu no séc. XVI, afirmou que qualquer pessoa que lesse os Ensaios se sentiria como se o tivesse escrito. O mesmo aconteceu com Ralph Waldo Emerson, André Gide e Stefan Zweig. E sabem a razão? É esta a conclusão de Sarah Bakewell – porque os Ensaios não tem nenhum grande significado, não defende nenhuma tese nem sustenta qualquer argumento. O livro não tem nenhum grande projeto ou objetivos direcionados aos leitores. Bem ao contrário dos livros de auto ajuda escritos na atualidade que nos prometem mundos e fundos e que é a coisa mais fácil do mundo esquecer em um banco de ônibus ou de Praça Pública.

Não sei se acontece com você, que agora me lê. O vocábulo Ensaio sempre me faz pensar em um texto geralmente chato de ler. Mas os Ensaios escritos por Montaigne não são assim. Eles vão e voltam, de um assunto a outro, muda de ideia de um ensaio para o outro, é uma festança da inteligência. Compre o livro, pegue emprestado, faça a qualquer coisa, mas leia os Ensaios de Montaigne. Esse livro vai certamente ser um grande companheiro de vida, como é para mim.
 
 
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