COMO É BOM O VERÃO

Estamos nos aproximando do verão, minha estação preferida. Esperei tanto por ele. Adeus frio, gripe, rinite, bronquite, cachecol, casacos de lã e pantufas. Que droga é o inverno. Agora é só bermudas, chinelos e camisetas regata. Vou caminhar no parque e encontrar mulheres maravilhosas com roupas leves, decotadas, pernas de fora; pegar a bicicleta e sair pedalando pelo mundo, conquistando novos territórios, desbravando novas fronteiras. À noite, sair para tomar uma cerveja com os amigos, voltar tarde para casa, dormir sem cobertores, edredons e afins.

Opa, já estamos em pleno mês de janeiro. Passou tão rápido. O calor é sufocante. O ar condicionado fica ligado direto. Meu Deus, acho que terei de fazer um empréstimo para pagar a conta da luz.

Saio do chuveiro depois de um banho frio, mas já estou suando bicas.

Andar de manhã? Que preguiça. As nove, o calor já é insuportável. A bicicleta está encostada há quinze dias. Cadê coragem para pedalar.

Resolvo pegar a família e viajar. Boto as traias no carro e lá vamos nós rumo à praia. Parece que todo o universo teve a mesma idéia. A estrada está congestionada e, na serra, o motor do carro esquenta. Aproveito o tempo do congestionamento e paro para matar a sede numa birosca de beira da estrada. Oba! Tem caldo de cana gelado. Peço um para matar a sede. Ué! Por que será que o gelo é marrom? Enquanto o birosqueiro moe a cana tenho a infeliz ideia de olhar para as mãos dele. Parece que foi ele que plantou a cana e, depois disso, nunca mais lavou as mãos. As unhas estão pretas e as mãos molhadas. Não sei se é suor ou o caldo da cana que escorre por elas antes de chegar à jarra. Ah, e a jarra. É de plástico, creio eu. Não dá para ter certeza, por causa de sua cor caramelo encardido.

Finjo que tomo o caldo e, disfarçadamente, jogo o conteúdo do copo. Que azar. Bem encima da minha sogra que eu não vi que estava atrás de mim.

Finalmente chegamos à praia. Que maravilha! Vejo algumas sexagenárias usando biquíni. Uma delas tem o mapa de Santa Catarina em uma perna e o de São Paulo na outra. Na bunda seria o mapa-múndi? Olho melhor para identificar e, só então eu percebo que são varizes delineando as divisas geográficas, estrias representando os rios, e as celulites o relevo topográfico.

Final de tarde. Resolvo tomar um banho de mar. Meu Deus, quanta gente. Ei, pessoal. Dá para vocês se afastarem um pouquinho? Só para dar espaço para um mergulho. Obrigado, gente, obrigado. Ao meu lado passa um objeto estranho. Será um peixe? Olhando melhor percebo que se for peixe é japonês e se chama toroço. Alguém acabou de se aliviar ali mesmo. Que nojo!

Na areia, dois rapazes praticam frescobol. Em determinado momento, ao invés da bolinha, um deles, inadvertidamente, pega um monte de cocô e atira para o outro, que devolve com uma raquetada certeira espalhando dejetos pelo ar, inclusive no chope de um gorducho esturricado ao sol. Quem sabe nas próximas olimpíadas do Rio de Janeiro tenhamos a modalidade do cocobol.

Saio da água. A pele arde queimada de sol e lambuzada de sal. Sinto-me pegajoso.

Fiz amizade com um pessoal do nordeste. Gente finíssima. Eles me convidam para um churrasco. Na rodada de caipirinha comentam que é um gaúcho que vai preparar a carne. Fico entusiasmado. Gaúcho entende de churrasco, logo vai ser bom. Dali a pouco descubro que o gaúcho sou eu, embora tenha nascido no Paraná. Na beira da churrasqueira o calor me lembra a porta do inferno. Ainda não estive lá, pelo menos por enquanto, mas acho que deve ser assim.

Final de domingo resolvemos ir embora. De onde veio tanta traia? Coube no porta-malas na vinda tem que caber na volta. Mas não cabe. Sugiro que a sogra vá de ônibus. Quase apanho da família toda.

Finalmente, na estrada. Que saudades de casa. Na primeira curva me assusto com a fila sem fim de automóveis. Quilômetros de congestionamento. Pelo menos resolvo aquele velho enigma existencial: Para onde vamos? De onde viemos? Vamos para casa e viemos da maldita praia, ora bolas.

Sete horas depois, finalmente chego em casa. Hora de colocar tudo no lugar. Minha mulher vai para o telefone contar às amigas a maravilhosa temporada praiana que tivemos, enquanto eu tenho que esvaziar o porta-malas do carro e colocar tudo no lugar.

Onze horas da noite, afinal, tudo pronto. Abro uma cervejinha gelada e me esparramo no sofá. Ufa! Finalmente vou descansar. Minha mulher grita lá do quarto: - Querido, leve a mamãe para casa.

Volto da casa da sogra. Quase meia-noite. Deito na cama e minha mulher me chuta. Ei, não vai tomar banho antes de dormir? Só então lembro que nem os dentes escovei. Finalmente pronto, banho tomado tento ligar o ar condicionado. A merda do ar está com defeito. PQP!

Vou até a cozinha e pego um comprimido e um copo d’água. Levo para minha esposa. Ela espantada pergunta:

- O que é isto?

– Comprimido para dor de cabeça, respondo.

– Mas eu não estou com dor de cabeça, ela diz.

-Ah, Ah, então não tem desculpa, negona. É hoje!

De manhã acordo empapado de suor. Não são nem oito horas e o termômetro marca quase trinta graus. As férias acabaram, tenho que ir trabalhar. O meu carro preto parece uma fornalha. Eu, de terno e gravata, quase morro sufocado. Ainda tive a infeliz idéia de colocar uma camisa escura.

Maldito verão. Quisera que fosse inverno para eu colocar aquela blusa elegante de lã, um envolvente cachecol no pescoço e pudesse sair pelo mundo pisando brancos campos forrados de geada e sentisse no rosto a gélida brisa invernal da minha querida Curitiba.

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 23/09/2012
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