CONTAS DOMÉSTICAS

Houve um tempo que meus pais usavam toco de lápis e papel de embrulho para registrar suas contas domésticas, algum recado para um parente que morava do outro lado da Serra do Quilombo ou mesmo a quantidade de galinhas e ovos que seriam vendidos na cidade de Pimenta. Nessa época abundava a horta de couve e as ramas de melancia se equiparavam as de abóbora. E foram quatro filhos criados nessas condições. Minha mãe lecionava no grupo rural as primeiras letras e o marido dela, meu pai, lançava-se nas roças dividindo a terra, sulcando as lavras, esperando as chuvas. E quando essas chegavam do norte traziam enchentes que tornavam o caminho do almoço uma aventura quase intransponível. E teve mesmo ocasião das águas quase levarem três dos meus irmãos não fosse a garra e a perseverança de nossa mãe que bravamente lutou contra toda adversidade. O pai dos meus irmão conduziu a família para a cidade grande para que nós pudéssemos ter "um futuro" que só a escola poderia dar...

E é quando apanho os pedaços de lápis para minha coleção, jogados no pátio da escola em que leciono, que o tempo atinge sem dó meu coração, parece mesmo que falta aos sentidos uma grama de oxigênio pois que uma vertigem me transporta àquelas paragens longínquas, remotas dentro de cada um de nós. E me basta o silêncio para sentir-me honrado e agradecido.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 25/09/2012
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