Saco de Brinquedos


Hoje ao receber a mensagem de meu sobrinho em meu Livro de Visitas não chorei por pouco. Senti uma saudade enorme da minha mãe, do meu pai, e não vou dizer dos meus poucos irmãos, pois graças a Deus eu os posso ver, não com a constância que queria mas, vejo-os com uma certa regularidade.

Minha mãe era uma mulher simples, maltratada pelo tipo de vida, difícil, que levava. Muitos filhos, poucos recursos financeiros para satisfazer as necessidades de todos. Para ter o mínimo ela trabalhava como louca em casa de família e lavava roupas para fora. Uma guerreira.

Papai tinha sido dispensado da Rhodia e não conseguia mais arranjar trabalho. Por várias vezes passamos por despejos por falta de pagamento do aluguel, até que fomos morar nessa última casa. Última mesmo da mamãe e de papai pois, foi de lá que eles de despediram de nós para a última viagem.

Esta casa era alugada mas, o dono do imóvel era mais complacente conosco. Mesmo que papai atrasasse o aluguel ele esperava sempre com a maior paciência. Penso que sim, pois papai era um homem muito fechado e não gostava de contar ou falar seus problemas e de suas preocupações. Quase não falava. Nos comandava com olhar, do qual tínhamos muito medo. Ela fala ninguém queria saber o que ia acontecer se ele tornasse a falar.

Foi morando aí que comecei a trabalhar também na Rhodia, as minhas irmãs Vera e Sonia alguns anos depois de mim. Sonia é a mãe do Uge (apelido) seu nome é Douglas, meu lindo e querido sobrinho que hoje fez-me recordar de alguns momentos importantes vividos naquele lugar.

Essa foi a primeira casa em que fomos morar que tinha água encanada, banheiro interno e chuveiro. Até então tínhamos morado em “casas” horríveis sem condições de higiene e segurança. Mesmo assim era uma casa pequena para nós ( um quarto, sala cozinha e banheiro) Na época já éramos em nove- sete crianças carentes. Eu já com quinze anos.
Como ficamos felizes de poder tomar banho de chuveiro! Poder abrir a torneira e a água descer para o tanque para a minha mãe lavar roupas de todos sem se matar no sarilho do poço puxando balde e mais baldes de água para encher o tanque. Nos sentimos ricos. Que loucura!

Papai nos olhava e só balançava a cabeça, não acreditando em tamanha bobeira. Ele gostava de ficar deitado embaixo das árvores, pois o quintal era imenso cheio de arvores frutíferas – não conseguindo trabalhar começou a ter problemas de pressão alta. Pudera! Como ia alimentar tantas bocas sem trabalho? Não sei como não enfartou cedo. Acabou sendo afastado “na Caixa” o que deu um certo sossego pois nunca mais ficou sem receber o seu quinhão de arroz e feijão.

O tempo passou os filhos de dona Tereza começaram a trabalhar e a estudar. Cada um que começava a trabalhar tinha a obrigação de dar o seu salário, sem tirar um nada, para a casa.
Saco de brinquedos


Foi nesse lugar, cheio de árvores que viu minha formatura de professora primária. Meu primeiro emprego como professora em Mauá. Não sabia sequer pegar o trem, Papai foi todo orgulhoso me levar para escola.

Também foi morando nessa casa apertada que levei o meu primeiro e único namorado para falar com meu pai. Foi daí que saí casada com Edson para morar em Mauá. Foi dessa casa que a Sonia saiu casada com Douglas. Foi dessa casa que a Vera saiu casada com Joaquim, o Luis casou com Aparecida, Elizabete com José Luiz, o Camata e... e...se eu for contar tudo vai dar pane no computador. É bom parar por aqui. Nessa época minha mãe já tinha tido mais três filhos. O caçula fazia três anos no dia do meu casamento. Agora os mais velhos estavam trabalhando e ajudando de todas as formas, o que aliviava um pouco a carga de tarefas de mamãe, que já tinha deixado de trabalhar para fora. Nós impedimos. Não queríamos que ela continuasse a se matar tanto. Nessa época descobriu que estava com o mal de Chagas, teve que sofrer cirurgia colocar marca passo. Papai sempre “na toada” dele.
Levantava cedo, ia comprar o pão, fazia o café e depois ia nos acordar para ir trabalhar. Não nos deixava sair sem o café de forma nenhuma. Que levantássemos mais cedo. Esse hábito depois que ele morreu com problemas cardíaco, nós perdemos. Ficamos preguiçosos.

Quando chegava o Natal, eu e o Edson queríamos comprar presentes para meus filhos, mas e meus irmãos ainda pequenos, como iam ficar? O que sentiriam? Para resolver a questão ele ia no Brás, comprava sacos de brinquedos – carrinhos, bonecas, joguinhos, porque ficava mais barato e, levávamos para eles, inclusive os sobrinhos que já existiam. A alegria era total. O Edson parecia o Papai Noel com aquele saco de brinquedos que eles nem sabiam como brincar.

Mamãe tinha o hábito de fazer macarronada nos domingos para receber os filhos que iam visitá-la. Gostava de morder as perninhas gordas dos netos e dos filhos e, apesar de ar tristonho e cansado ficava muito feliz e risonha com a chegada dos filhos e netos.

Que saudade. Seria tão bom se pudesse voltar a fita, o filme, viver tudo de novo. Mesmo a adolescência sofrida, os irmãos nascendo, aquele auê todo.

Quando todos cresceram parecia uma casa sempre em festa. Mauro, Cláudio sempre cantando e batucando nas panelas e armários de mamãe que não se incomodava com o barulho e a gritaria, os risos, as gargalhadas, o choro dos netos. Toda essa algazarra a fazia feliz. Ela dizia que Deus tinha sido muito bom para ela dando uma família enorme e feliz.
Muitos problemas que todos estavam tentando superar. Quando crescemos além de nós, naquele espaço tão pequeno, ainda cabia os amigos de todos. Ainda bem que escapávamos para o quintal. Mesa de truco não podia faltar. Aí é que pegava fogo, mesmo!

Pois é, meu sobrinho. Estes dias atrás suas primas, aqui em casa, estavam recordando e dizendo que também têm saudades das brincadeiras embaixo das árvores, as sombras no verão, dos primos que subiam nas árvores para se esconder um dos outros, dos cortes nos pés... tantas lembranças...A tulipa ficava como doida correndo de um lado para outro e os primos querendo fugir dela porque tinham medo.

É como dizia aquele comediante batendo na zabumba num programa de televisão: tempo Bom! Não volta mais!

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