Aula de Geografia

Ontem me afagou a ideia de ir à Brasília. O fortuito pensamento que me trouxe a ideia me fez recordar de um amigo, filho de Goiânia, mas criado na e apaixonado pela nossa Capital Federal. Lembrando-me na maneira como exaltava sua cidade querida, vi-o gesticulando os braços para enfatizar o que dizia. Ainda na mesma pessoa vi o elogio exacerbado a um ex-professor. Para esse meu amigo, aquele era "o professor". Amiudando mais vi-o relatando o método pelo qual tal professor ensinava os nomes dos estados brasileiros e suas respectivas capitaisl. Era musicalizando a lição; fazendo com que todos cantassem uma tosca canção em ritmo forte e marcante. "Belém do Pará, Amapá é Macapá. Repitam..."; "Belém do Pará, Amapá é Macapá Boa Vista, Roraima; Manaus, Amazonas. Repitam..."... e assim ia aumentando o tamanho da música e aquele aluno que errasse estaria fora da brincadeira. O lúdico interesse pela vitória mantinham os alunos atentos e participantes. Em menos de uma hora de aula todos os alunos sabiam os nomes de todos os estados e capitais sem titubear.

Foi nesse momento que o estalo veio e me transportou para um outro recanto do meu passado. Em meados de 1963 meu pai se demitiu da industria onde trabalhava, a uns cinquenta quilômetros a oeste de Porto Velho. Partiríamos para o Ceará, de onde viera e tinha raízes; onde, terminada a seca, havia "terra boa", e fartura. Alegria de minha mãe e excitação minha e de meus irmãos menores, uma vez que viajar, para nós, era um verbo que perambulava o campo da teoria.

Ficamos em Porto Velho por uns 30 ou mais dias esperando o Navio, único meio de transporte disponível naqueles idos. Demos azar! O navio encalhou num banco de areia antes de chegar na cidade e a viagem foi adiada, por mais de um mês. Isso desorganizou meu pai e a bem da verdade essa viagem nunca chegou a acontecer.

No meio disso tudo lembro-me perfeitamente a sequencia das cidades pelas quais passaríamos até chegarmos em Fortaleza. Essa informação ficou escondida em algum lugar do meu cérebro eagora era resgatada. Subindo pelo reverso do pensamento, lembro-me de meu pai ensinando-nos uma música, que até creio ser de sua autoria, onde encadeava cada local por onde passaríamos:

"De Porto Velho vou até Manaus, de Manaus vou até Santarem, depois chego em Belém..." e assim ia. A melodia era bem simples e de fácil assimilação e para completar a fixação, toda vez que tínhamos visitas, meu pai nos fazia repetir "a lição", momentos em que éramos elogiados por tamanho entendimento em tão pouca idade.

Meu pai era semi-analfabeto. Do estudo normal só obteve vinte e três dias de aulas. Tudo o mais aprendeu com o mundo. Mas traçando um paralelo entre ele e o professor goiano, provavelmente um mestre ou doutor, percebi que eles usaram métodos semelhantes para ensinar geografia e a eficiência do professor atestada por meu amigo era tão presente quanto fora de meu pai.

Fiquei por um bom período retido e navegando pelo passado da vida comum com meu saudoso pai até que a noite chegou e tive que acender as lâmpadas. O orgulho, a comoção e a saudade umedeceram meus olhos. Hoje visitei seu jazigo e disse-lhe que, por mais que nunca tenho dito a ele em vida, tenho muito orgulho do pai que sempre tive...