A fé no voto

Estou convencido da atual importância da fé durante as eleições. E não estou falando de religião na política. Estou falando de fé, que também não é a mesma coisa que esperança. Não se trata de um sentimento, mas de uma disposição de espírito que leva uma pessoa a tomar atitudes ou posições como se aquilo que espera já fosse realidade. É o que Paulo chama de “a certeza das coisas que não se veem”. Basicamente, é na fé que boa parte dos eleitores parece sustentar o seu voto. Fé está longe de ser uma coisa ruim. Fé em qualquer coisa, no entanto, não gera os resultados esperados.

Homens dos mais céticos, daqueles que não acreditam em uma linha sequer que saia do pensamento científico, de repente resolvem entregar todo o seu entendimento à uma crença política, e nela depositar um sentimento muito próximo do que entendemos por fé. Em defesa dessa crença, são capazes de verdadeiros malabarismos cerebrais. Negam com veemência todo argumento que leve a crer que estão errados. E não há nada que efetivamente garanta que estão certos, a não ser a fé de que realmente estão.

Esta fé é depositada em simples homens, partidos políticos ou coligações, todos mutáveis como a lua, e que por melhores e mais esforçados que sejam são incapazes de abarcar toda a realidade de um lugar, e portanto não merecem tamanha devoção. Não há muita preocupação em se chegar à verdade, mas simplesmente em mostrar aos outros que já se chegou, ainda que para isso seja preciso negar evidências do contrário.

Não acho que a fé seja inimiga da razão – nem mesmo na religião. Isoladas, ambas se tornam capengas. Só com a fé, eu posso acreditar que os computadores vieram de Marte e são seres superiores. Posso, inclusive, votar neles. Só com a razão, sou incapaz de chegar a uma conclusão sobre qualquer assunto, pois não consigo dar conta de todas as perspectivas envolvidas. Acabo não votando em ninguém. Para aliar as duas coisas, seria necessário um tipo de debate que geralmente é dispensado em período eleitoral. Aceita-se muito fácil um candidato e com frequência defende-se até o fim essa escolha, mesmo que tenha sido feita de forma tão precoce.

Não é um cenário muito propício para debates entre os eleitores, portanto. A maior parte deles é recheado com expressões de orgulho pelo partido escolhido, além de provocações ao adversário, como acontece no futebol. O próprio Plano de Governo e as propostas pouco são lembrados. Ninguém pretende se aprofundar muito. As redes sociais são tomadas por simples propagandas que alguns insistem em chamar de “discutir política na Internet”. Experimente questionar uma dessas propagandas e você perceberá o quanto as pessoas não estão interessadas em discutir coisa alguma.

Também é verdade que os próprios partidos e candidatos, com raras exceções, não parecem lá muito interessados em debater. Quase todos reduzem a Internet a um mero canal de divulgação de informações. Um santinho. Não existe interação e o candidato não está disposto a acatar uma proposta de seu eleitor.

E se, num cenário tão desfavorável, ainda assim conseguirmos eleger bons representantes, realmente, nossa fé foi levada em conta e temos um milagre.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 01/10/2012
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