Pensa que é bonito ser feio?

Duas vezes por semana, pego o ônibus na mesma parada em que o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos foi queimado vivo enquanto dormia, no ano de 1997. Não existe nada identificando isso, mas eu sou curioso o suficiente para descobrir. Vocês devem se lembrar do caso. E também devem se lembrar do argumento usado pelos cinco jovens acusados de praticar o crime: eles acharam que era um mendigo, e não um índio. De lá pra cá, o número de moradores de rua certamente aumentou na cidade. Falam em 2 mil, mas acho pouco. E vez ou outra alguém continua achando que eles merecem morrer queimados - em fevereiro, um comerciante mandou tacar fogo em dois mendigos na cidade-satélite de Santa Maria.

Na parada de ônibus da minha casa, mora um morador de rua. Nunca o vi pedir dinheiro, apesar disso. Ele tem um carrinho de supermercado que está sempre lotado de coisas. Imagino que pega no lixo e depois tenta vender. Um dia ele me perguntou sobre o funcionamento de algum aparelho eletrônico qualquer. O aparelho não funcionava, mas ele esperava que ainda tivesse algum valor. Normalmente o encontro sentado calmamente na parada. Inofensivo. Mas sei de crianças que têm medo dele. Provavelmente pela sua aparência. Não é nenhum exemplo de beleza e, admito, também está longe de ser um exemplo de limpeza. Em suma: não é nenhum mendigo galã de Curitiba.

Demorei para entender o sucesso do mendigo galã de Curitiba nas redes sociais, na semana passada. E demorei porque no fundo eu não queria aceitar que fosse isso mesmo: ele só fazia sucesso por ser bonito, coisa inesperada para um mendigo. Ora, morador de rua é o que não falta em nossas cidades. Escolha um deles aleatoriamente, tire uma foto e publique no Facebook, se possível acompanhado de uma historinha bonita sobre ele. Fará sucesso? Provavelmente não. A menos que o seu mendigo seja boa pinta.

Então todos ficarão tocados, e se perguntarão como foi que uma pessoa tão bonita – de olhos azuis! - chegou ao ponto de morar na rua. E todos os vícios, que em outras pessoas seriam motivo de culpa, nele serão apenas uma mostra do estrago que podem fazer com uma pessoa. Uma clínica de recuperação, que pode muito bem fazer o mesmo com qualquer viciado em crack que mora nas ruas, por um acaso decide se sensibilizar apenas com esse caso específico. E todos acham que ele merece ser ajudado, e aparentemente mais do que os outros, apenas porque supostamente é bonito.

O que concluo disso tudo? Que a rua é um lugar que serve de moradia preferencial para os feios. Posso falar dos feios com conhecimento de causa, e por isso afirmo: nenhum preconceito causa menos sensibilidade do que este. Você já deve ter ouvido bastante isso: um rapaz jovem, saudável, bem apessoado, comete um crime qualquer. Em meio ao choque, alguém diz: “Poxa, mas ele era tão bonito”.

Já ouvi uma mãe negar o suicídio da filha com o mesmo argumento: “Ela não tinha motivo pra se matar, era tão bonita”. Disso se observa que dos feios só se espera que morem nas ruas, cometam crimes e tirem a sua própria vida.

Esperamos que resolvam logo o caso do mendigo galã para voltarmos a acreditar que o mundo é perfeito.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/10/2012
Reeditado em 31/10/2012
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