Isso é heavy metal

(Esta crônica é especialmente aos "mendigos" do Bairro Novo "B". Long live to rock n' roll)

Depois de três longas semanas de ensaio (que pareciam mais três anos, pela ansiedade), os "esmaga-crânios" estavam tinindo para subir ao palco do Tio Abílio's show bar. No fim de semana anterior eles foram conferir a estrutura do estabelecimento, segundo dona Mirtes (promotora dos eventos, garçonete, balconista, contadora e esposa do seu Abílio) o público na ocasião era recorde, até então eram contados vinte e duas pessoas três cachorros e um boneco de posto que o frentista ficou com preguiça de levar até em casa, a Mirtes desconfiou que a cachorrada só veio por que a Jade tava no cio, mas tudo bem, a atração da noite ficou por conta de Tico Seboso e Zé Xangô, Seu Abílio cantou sem conter a emoção os versos de "Quenga feia" e "Quatro dia na zona".

O Tatu, que era o lado anarco-punk da banda disse que a casa iria lotar no dia, afinal ele correu atrás da divulgação e conseguiu o tão concorrido espaço com um certo nepotismo já que Dona Mirtes era sua tia. Na verdade o Tatu já andava meio em baixa no conceito dos demais depois que surgeriu que o nome da banda fosse "Bilau Podre". E convenhamos, escolher um nome para uma banda não é tarefa das mais fáceis, quando surgiu a idéia de batizar o tal grupo foi pior do que o dia que todo mundo se juntou pra compor a primeira música, que não saiu da primeira estrofe: "que a força esteja com os fortes...", então eles resolveram fazer um instrumental bem quilométrico e deixar a frase como refrão, tinha passagens mirabolantes de todos os instrumentos e o Carlinhos só entrava no refrão pra cantar a frase infame. Ninguém gostou muito, a não ser o Faster Hammer que tinha um solo de seis minutos de guitarra, então como ele era o mentor do grupo ficou por isso mesmo.

Tinha também o Vander Morrison, que era baixista e escrevia umas coisas tétricas, sempre querendo inovar. Primeiro ele queria um xilofonista na banda, só que nem ele mesmo sabia onde encontrar o tal instrumentista, depois ele sugeriu que a banda usasse um jogo de luzes que ele roubou da mãe (que fazia decoração em festas de casamento), acontece que no dia que ele levou a parafernália deu um curto na gambiarra que ligava também o amplificador de guitarra, aí o Faster Hammer endoidou de vez, então ficou decidido que o Vander só iria tocar contrabaixo. Mas teve um dia que o Vander deu uma dentro, foi quando ele levou o Carlinhos pra banda, o guri ele tiha conhecido na escola, ele fazia canto lírico e só ouvia Agnaldo Rayol, mas todo mundo curtiu porque era o único que tinha alguma noção de música, então o Carlinhos ficou no vocal.

Todo mundo sabia que o "esmaga-crânios" seria um estouro, afinal tinha todos os ingredientes das grandes bandas, um baterista punk porra-louca, um baixista viajandão, um guitarrista narcisista e um vocalista que sabia cantar, só faltava um show, e o mundo renderia-se aos seus pés, o céu era o limite, saber tocar era um mero detalhe, o importante era ter uma banda. Então no dia da apresentação, todo mundo combinou de se encontrar no local lá pelas oito da noite. O primeiro a chegar foi o Vander, com uma pantalona desbotada e uma faixa no melhor estilo "flower and power", em seguida o Carlinhos veio avisar que o Faster Hammer iria demorar porque tinha acabado o laquê e a mãe dele tinha ido buscar mais no mercado, lá pelas nove e meia chegou o Tatu cheirando a conhaque e com uma cabeça de boneca que ele dizia que iria jogar do palco no auge do show. Faltavam uns quinze minutos quando começou a chegar gente no bar, tinha umas meninas com roupa de normalista, a mãe do carlinhos parecendo figurante de filme do Elvis, uns mendigos curiosos e dois senhores que pararam pra perguntar onde era o ponto do lotação mais próximo, foi quando o Tatu pediu pro pessoal que jogava truco na beirada do palco:

-Aí galera, dá uma afastadinha pra ter espaço pro "quebra".

Um senhor barbudo resmungou qualquer coisa mas logo os demais afastaram a mesa para o fundo do lugar, foi quando chegou o Faster Hammer com uma maquiagem que parecia atriz em noite de oscar. Uma meia horinha básica para a montagem da aparelhagem e tudo estava pronto. A música de abertura seria "que a força esteja com os fortes", depois do solo de dezoito minutos (que era uma versão especial para tocar ao vivo), aconteceu uma queda de energia, Tatu (completamente embriagado), aproveitou a oportunidade, tirou a cabeça de boneca dum bolso girou e gritou "Viva o Bilau Podre", o objeto foi arremessado na mesa de truco e o Tatu, depois de duas piruetas caiu em cima da mesa de som, ainda deu pra ouvir o barbudo gritar "Moleque desgraçado", mas era tarde, era o fim do "esmaga-crânios".

Depois desta apresentação histórica muito tempo se passou, Faster Hammer virou Gervásio e abriu uma franquia de banho e tosa onde cria penteados para poodles e Yorkshires, Tatu sequestrou um acessor de um deputado como um ato simbólico, foi detido, em seguida jogou um ovo na testa do governador no dia da pátria, novamente detido nunca mais foi visto, Vander vendeu sua melhor canção para um cantor brega por quinze reais e três tequilas, a musica virou hit de norte a sul e Vander tentou recorrer, sem

sucesso, exilou em no retiro Vó Geni, Carlinhos estudou advocacia, casou-se com Estela, que inclusive estava presente no show do "esmaga-crânios", (por engano é claro, na verdade ela procurava uma festinha de igreja que era na rua de trás) depois, comprou um sítio em Barbacena onde vive feliz com dois filhos nerds e também pensa em fazer uma tatuagem, com o nome da amada, bem discretamente, diga-se de passagem...