UMA SEMENTE QUE FLORESCE...

Esta semana (segunda-feira, especificamente), eu vinha a pé, logo cedo, para o trabalho (o carro tinha ficado dois quarteirões antes), quando ouvi chamarem o meu nome. Como sempre acho que não é comigo, continuei andando - e sem olhar para trás (penso sempre assim: bem, se for alguém chamando por mim e se, de fato, for importante, a pessoa vai gritar mais alto e/ou então acelerar os passos e emparelhar comigo) -, até que senti alguém do meu lado me desejando bom dia.

Olhei e vi uma linda jovem, de mais ou menos uns vinte anos. Muito bonita mesmo. No entanto não a reconheci entre as pessoas que fazem parte do meu rol de amizades. Porém, por educação, dei bom dia também e perguntei-lhe como estava. Ela, muito alegre, disse que estava tudo bem e que tinha me reconhecido imediatamente, mesmo fazendo tanto tempo que não me via.

O mesmo não tinha acontecido comigo, pensei. Ainda tentei fazer um esforço de memória, mas desisti de pronto, pois sei que sou péssimo em gravar, na lembrança, as pessoas com as quais não convivo diariamente. Aliás, figuras e nomes. Mas, por cortesia, eu lhe perguntei se ela já estava na universidade e qual a faculdade que estava fazendo (felizmente, eu combato esta falta de memória fotográfica - e de nomes - com a única alternativa que me é favorável: a de educador. Explico: se uma pessoa – mais nova – chega para mim e fala comigo e eu não a reconheço, o primeiro sinal que procuro é entre meus ex-alunos. Sim, pois de duas uma: ou é ex-aluno ou é um sobrinho dentre os muitos que eu tenho e que, por passar tanto tempo sem vê-los, acabo perdendo, por incrível que pareça, a sua fisionomia em mim. Mas normalmente é ex-aluno).

- Ah professor! Estou fazendo pedagogia, segundo período (acertei! – disse para mim mesmo).

Agora que eu havia “reconhecido” como sendo uma das minhas ex-alunas, eu passei a querer decifrar de onde eu tinha sido o seu professor (professor passa, em sua carreira como educador, em várias instituições, durante o seu período ativo).

Pelo período em que ela estava, só podia ter sido da última escola em que lecionei: Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho. Era. Dei-lhe, então, os parabéns e disse-lhe que ela tinha escolhido uma das profissões mais gratificantes para um ser humano – apesar de suas incompreensões, dos desgastes, da falta de reconhecimento e da desvalorização profissional –, por ser a responsável por formar cidadãos plenos para a sociedade em que vivemos.

- Acho que nasci com essa vocação, professor. Sei o quanto é desvalorizada a “nossa” profissão, porém não estou entrando nela apenas pelo que ela pode me dar financeiramente, que sei não é muito e está muito longe de alcançar o status que a maioria das profissões dá, mas pela necessidade de querer ajudar a mudar a cara desse país. Entendo que não é uma tarefa fácil, entretanto, sou mais uma a fazer parte desta corda que puxa para o lado do conhecimento, do esclarecimento, das reivindicações e que busca uma ordem social melhor, mais igualitária, sem esses abismos entre as classes sociais.

Aplaudi, internamente, o seu quase discurso. Vi, ali, a motivação necessária para que a luta desigual entre a ignorância, o descaso e a precariedade das instituições contra os militantes do saber ganhe, em suas fileiras, mais um soldado pronto para tornar essa batalha um pouco mais em condições de igualdade.

De repente, eu me senti mais motivado. Meus passos se tornaram mais firmes, a minha postura ficou mais altiva e, indiferentes aos transeuntes, eu me permiti até dar um “viva” em alto e bom som. É claro que eu faço parte dessa vocação demonstrada por aquela jovem. É uma das funções do educador mostrar para os futuros profissionais que a carreira de professor é primordial para o futuro de uma nação. Isso não significa tentar forçá-los a seguir essa carreira, mas descobrir, dentre eles, aqueles que têm vocação para o magistério. De vez em quando conseguimos isso.

Como já estava perto do local do meu trabalho, eu parei e perguntei-lhe se ela precisava de alguma orientação, de algum livro especifico ou de alguma coisa. Ela me falou que não, que estava tudo bem e que já tinha até me citado em seminários apresentados em sala de aula, através de meus artigos e minhas crônicas voltados para a educação, e que eu sou, para ela, um exemplo de educador.

Nem precisa imaginar como me senti! Mais uma vez, eu percebi, naquelas palavras, o pagamento adicional entre o que recebemos e o que mereceríamos receber – mesmo que esse “adicional’ não signifique o vil metal (melhor, pois o pagamento dado, simbolicamente, representa algo que talvez o dinheiro não consiga comprar: a felicidade estampada no meu rosto naquele momento) –, e o quanto é gratificante sermos reconhecidos através das sementes que plantamos em nossos “roçados” chamados salas de aula.


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Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 11/11/2012
Reeditado em 21/04/2019
Código do texto: T3980231
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