[Crônica sobre Nada: O Velho e a Janela]

Em criança, eu ficava intrigado quando via, nas tardes lentas, os velhos nas janelas das casas... Que atração é essa, eu me perguntava, que a janela exerce sobre os velhos... o que um velho vê pela janela que eu, que já estou na rua desde cedinho, não vejo, isto é, ainda não vi?

... Que eu nasci velho — era o que a minha mãe me dizia, ao tempo em que eu tinha apenas 6 ou 8 anos de idade, e já me queixava de que a vida é um absurdo, e que a gente nascer não tem cabimento — nascer, para quê?! Nunca repliquei a ela que a minha tão precoce velhice [e a terrível angústia diante da absurdidade da vida] talvez pudesse ser [parcialmente, pelo menos] explicada pelo fato de que ela me apresentou à Morte quando eu tinha apenas 5 anos — no Dia de Finados, ela levou-me ao cemitério e mostrou-me a cova do meu pai! Naquele dia, mesmo com os olhos marejados de lágrimas, se a Morte tivesse mãos [será que não tem?!] eu teria lhe estendido minha mãozinha criança e teria dito em mineiro — " 'dia, siá Morte!" — sempre fui um menino muito respeitoso para com os velhos...

Não tive a iniciativa de perguntar a minha mãe por que os velhos tanto ficavam nas janelas — há muito ela se foi. Mas, certamente, ela teria uma resposta irônica, pois odiava detectar a vizinha de frente vigiando, pela fresta da janela, a hora em que chegávamos a casa.

E agora, que estou velho, finalmente terei a resposta: é chegada a minha vez de saber por que os velhos gostavam de ficar na janela... É o que eu penso quando me pego, na varanda do apartamento, mera extensão da janela, a contemplar a avenida vazia... Que ironia! Mais eu olho e menos sei a resposta! Ou, pior: um dia tenho uma resposta, no outro dia, tenho outra resposta... ou seja: não tenho A resposta! O absurdo torna-se mais absurdo ainda quando a gente envelhece?

E se um certo Carlinhos me vir lá da avenida, e me perguntar: "o que o senhor está vendo pela janela, que eu, que cá estou, não vejo?". Ah... eu apenas lhe direi que a pergunta é velha demais, é mais velha do que eu, e não tem resposta! E talvez eu devolvesse uma pergunta: quem sabe se o que eu tanto olho pela janela não é o absurdo da vida, o vazio da existência?

Eu tive um cãozinho esquisito, o Bone, que ficava horas a fio a contemplar o vazio da rua... mas ele nunca me disse por que gostava tanto olhar o vazio... Também, agora, nem se ele falasse... pois o Bone se foi também.

Em tempo: o Bone era um cão atlético, enfrentava animais bem maiores que ele, e podia correr a 40Km/h; morreu velhinho, velhinho... Será que, ao fixar a sua mirada no vazio da rua, o que ele espiava mesmo era o absurdo da vida?

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[Desterro, 20 de novembro de 2012

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 20/11/2012
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