SERTÃO, ESCOLA, FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E SARAPATEL COM PEDRA E FERRO

Por Roosevelt Vieira Leite

Durante muito tempo ouvi dizer que a família é fundamental no processo ensino aprendizagem. A cobrança dos pais, a participação da família nas reuniões pedagógicas, a presença da família dando segurança e equilíbrio ao aluno é de suma importância para que ele tenha uma boa carreira na escola. O discurso de que a família faria a diferença se fosse mais presente em nossas escolas não se sustenta quando voltamos o nosso olhar para a imensidão de nosso país e do débito social que ele tem.

Uma sociedade pobre, na sua grande maioria, é constituída de famílias pobres. A pobreza material quase sempre revela a pobreza intelectual. Quanto maior for a renda de uma família, maior será seu capital intelectual, e a forma como essa família dialoga com a escola e seus conflitos é muito mais racional. O oposto é, infelizmente, válido. A pobreza do sertão é pobreza intelectual também, se isso não fosse verdade, suas populações não repetiriam quase como em um ritual os modos de vida originados no início da colonização. Podemos ver isso nitidamente em práticas agrícolas como a “coivara” que mata o solo e coopera no processo de desertificação.

Assim como a relação com a terra é senso comum, é mítica, é cultural, na grande maioria dos casos, a relação das famílias com a escola segue o mesmo princípio – a família não fala a língua da escola. O docente, por sua vez, não percebe isso; e quando consegue vê-lo, ignora em sua prática.

Um professor ordinário do interior brasileiro, faz um curso rápido de pedagogia, ou uma licenciatura relâmpago, vem de um fundamental de escola pública, e de um ensino médio, que via de regra, não lhe garante muita coisa como o acesso a educação superior publica federal. Na maioria dos casos, esse cidadão teria escolhido outro caminho se tivesse tido outros recursos. O perfil da maioria dos profissionais da Educação dos sertões brasileiros é esse – “Não tinha nada para fazer, fui ser professor”.

Não se pode fazer muito com tão poucas oportunidades que se tem por esses rincões perdidos desse Brasil tão desconhecido pela maioria das pessoas. O sertão ainda está abandonado, seu estado se parece muito com o que Antônio Conselheiro encontrou no final do século XIX. A República não chegou ao sertão, e quando chega é de papel como alguém disse por muito tempo – cidadãos de papel. Podemos adaptar para cidadãos mandacarus – pois são pessoas acostumadas com todo tipo de aridez, inclusive, a de ideias.

As famílias sertanejas, com raras exceções, vivem porque a natureza lhes deu um dispositivo que na normalidade nunca falha – ninguém quer morrer! O estado se faz presente ideologicamente, as ações objetivas nunca alcançam objetivo algum, e quando isso ocorre, tenha certeza, é ano de eleição! No sertão do Brasil tem coronel, tem Gabriela sem cravo e canela, até mesmo porque água por aqui é coisa rara e cara. Um garrafão de 2,0 reais para um família de 4 pessoas morre num tapa! No sertão a sede é grande, e as Gabrielas são bonitas, mesmo suadas.

A escassez de água no sertão de Sergipe torna a vida dos professores um inferno e a educação rala, pouca, muitas vezes parecida com os tanques sujos na estiagem. Em Sergipe, é natural em algumas regiões a estiagem de sete meses. As escolas localizadas nessas áreas não dispõem de um banheiro digno para as necessidades maiores quanto mais um banhozinho quando o educador chega após ter enfrentado o sol irado do sertão nordestino. Veja que um banheirinho para trezentas pessoas usarem não é coisa muito decente, nem docente, nem discente.

Uma educação que caminha nessas condições não pode ir muito longe, embora faça milagres, mas, todos sabem que milagres não contam na normalidade, na regularidade do dia a dia. O sertanejo não pode mais esperar chuva, ele precisa viver em seu locus com sapiência, ele precisa saber lidar com as leis do sertão; ensinar isso é dever do estado, pois, cabe a ele garantir a vida de seus cidadãos, ou mandacarus. Para o sertanejo não adianta uma barragem que vai irrigar o agrobusiness, se sua roça não tem uma cacimba. Quanto custa uma cacimba, afinal? Contudo, para o coronel a barragem é melhor, pois esta é visível e politicamente mais prestigiada. No sertão, a vida é para poucos, e quem tem cacimba é um imperador.

Ora, se a vida é para poucos, a educação é quase para ninguém, mesmo que as escolas estejam cheias de crianças e jovens advindos de todas as brenhas, e de todos os juremais desse sertão. Tem carro para pegá-las, mas, não tem ventilação nas salas, nem uma merenda rica em proteínas, carbo-hidratos e vitaminas tão necessárias à formação do encéfalo do aprendente. Na segunda bolacha Maria e água; na terça é uma maçã, na quarta pipoca, às vezes batata com jabá na quinta, e outras nada, só água vez ou outra iogurte. Os recursos, dizem os gestores, são poucos. O termo gestor inclui o professor, e o termo recursos também abarca a capacidade do educador e seu engajamento.

Estamos em novembro, tem professor que fechou a caderneta. Ele considera que o que ensinou é importante para o aluno e que seu dever foi cumprido. Ele esquece que para cada voto alienado um voto consciente é perdido, por isso mudar o sertão é fundamental para a Democracia de nosso país. Se não fosse o sertão os coronéis não estariam em Brasília para garantirem que o sertão continuará a ser sertão para poder servir de locação cinematográfica – com direito a vídeo clip e tudo. O Brasil para quando se fala no sertão! Certamente muita gente enche os olhos d’água com pena do homem de lá.

Mas se come sarapatel em São Paulo. O gringo paulista enche a boca: “É gastronomia nordestina”. No sertão se come macarrão italiano, pizza e hambúrguer. Não há nada que não se consuma por aqui é só ter o meio material. Não vejo diferença na violência, seja na mata seca da caatinga, ou na selva cinzenta do Ipiranga. Seja um coronel de chapéu, cheio de pistoleiros, ou um craqueiro infernal brigando pelo ponto que o diabo lhe deu. O sertão também está na capital. Está em vossos pesadelos, em vossos imigrantes infelizes que a política protecionista Rio/São Paulo gerou, filhos da seca que não acharam ventura por essas terras, ou melhor, por esses asfaltos de prédio altos e precipícios inesperados. Aqui quando o mandacaru flora é que a chuva mandou dizer que está vindo. E aí? Não tem mandacaru? Quando o Tietê se espraia pelo leito negro que os homens fizeram, então a chuva chegou para o sertão de pedra e ferro...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 21/11/2012
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